EPIDEMIA SECRETA - Artigo - Pedofilia - Direito da Criança - Casé Fortes - Promotor de Justiça

EPIDEMIA SECRETA – Artigo AMMP – outubro de 2019

 

“Existe um epidemia que, em segredo, destrói a saúde e aniquila a vida de muitos. Essa epidemia já se alastrou e atingiu quase todas as casas. Atingiu a minha e, provavelmente, a sua também.

Muitas pessoas não sabem, porque é um segredo. Muitas pessoas sabem e fingem não saber... Pouquíssimas pessoas sabem e rompem o silêncio”

(GONTIJO, Pedro. Epidemia secreta. Uberlândia: Assis Editora, 2019) 

 

Desde abril de 2008 tenho viajado para várias partes do Brasil, e até outros países, procurando levar informações no sentido de prevenir e combater os crimes de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes, o que tem ocupado parte significativa da minha vida. Embora tenha exigido sacrifícios, não é algo que eu pudesse simplesmente escolher não fazer, mas uma incumbência da qual não poderia jamais fugir.

Rio Branco-AC, ou Boa Vista-RR, ou Itacajá, no interior de Tocantins, ou Bagé, no extremo sul do Rio Grande do Sul, u em qulaquer cidade das Minas Gerais... Faculdades, escolas, empresas, centros comunitários, câmaras de vereadores, prefeituras, fóruns, seminários, congressos, cursos, eventos esportivos, shows artísticos, rádio, TV, etc. Já falei em grandes auditórios, lotados com milhares de pessoas (com ar condicionado, sistema de som e vídeo), ou em lugares como uma aldeia de índios (sentados em roda, embaixo de uma árvore), ou mesmo sob de uma lona de circo. Já falei a doutores e a pessoas bem simples, idosos, jovens e crianças. Católicos, espíritas, evangélicos, umbandistas, agnósticos e ateus.

Ao longo destes anos de viagens tenho encontrado muitas pessoas extremamente dedicadas e conscientes, desde as mais simples e anônimas até as mais graduadas ou famosas. Ouvi histórias, desabafos, choros e lutas, assim como constatei também, infelizmente, descaso e ignorância. Conheci diversos movimentos e iniciativas, locais e regionais, de variadas regiões do Brasil, que surgiram e se fortaleceram... o objetivo é simples, quase óbvio: sensibilizar as pessoas para que amem, respeitem e cuidem bem das crianças e adolescentes, especialmente os protegendo da agressão sexual.

Durante essa jornada, li, vi e ouvi todo o tipo de violência sexual contra a criança e adolescente: abandono, tortura, estupro, incesto, prostituição, violência sexual até com bebês, pais e mães criminosos, indiferença, traumas, morte... e essa carga negativa, embora nos entristeça, também causa indignação e é imediatamente transformada em força para prosseguimos firmes com o movimento “Todos contra a pedofilia”. Entendo que ninguém, especialmente quem conheceu de perto todo o horror dos crimes de pedofilia (abuso e exploração sexual de menores, definidos no CP e no ECA), tem o direito de se omitir na prevenção e no combate destes. Trata-se de uma impossibilidade ética. Todos nós temos o dever, legal, moral e espiritual, de proteger a criança, e devemos seguir, lado a lado junto com os amigos, companheiros e conhecidos, nos esforçando para fazer nossa parte, dentro e fora do nosso trabalho.

Mas também fique registrado que em todas as viagens houve alegria e esperança. Percebi que em todos os lugares é evidente a indignação das pessoas contra os crimes ligados à pedofilia. A sede de Justiça (com ‘J’ maiúsculo... como ideal) é grande... é incalculável. O crescimento das notícias de crimes ligados à pedofilia é resultado disso. Não porque estejam necessariamente acontecendo mais casos abusos e exploração contra crianças e adolescentes, mas porque as pessoas estão conhecendo e se encorajando a falar, a denunciar, a não mais aceitar que uma criança seja estuprada, exposta, violentada. As campanhas, frentes parlamentares, CPIs, movimentos, ONGs, etc. são muitos, e todos igualmente importantes.

Desde sempre e até hoje, o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes (crimes de pedofilia) são gravíssimos problemas da sociedade brasileira. Todos os dias são cometidos muitos crimes de estupro de crianças, pornografia infantil, prostituição infantojuvenil, assédio pela internet (grooming) ou fora dela, etc. Tais delitos atingem de forma profunda e aguda a parcela mais frágil e também mais preciosa de nosso povo, as pessoas em formação, as crianças e adolescentes.

Apesar das estatísticas serem inexatas, sabemos que a quantidade de delitos e vítimas é imensa: e nesse ponto todas as verificações práticas concordam. A perversidade, covardia e cinismo dos criminosos não tem limites. A omissão e a negligência ainda são amplas e estão arraigadas em nossa cultura, que precisa ser mudada. As consequências para as vítimas são profundas e indeléveis. Tais delitos comprometem o futuro da nação, uma vez que atacam justamente as pessoas que o construirão.

Embora a garantia dos direitos da criança e do adolescente seja “A” prioridade absoluta de acordo com a Constituição (Art. 227, CF/1988), grande parte das autoridades brasileiras, seja dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário ou até do Ministério Público, nos âmbitos municipal, estadual ou federal, ainda tratam o assunto como um “ato de caridade”. Garantir os direitos da criança e do adolescente é, na verdade, mais que dever legal (prioritário e indiscutível), dever moral, ético e cívico... de todos nós, sem exceção.

Em todo o Brasil o abuso e a exploração sexual cometidos contra a criança e o adolescente são comuns, não escolhem classe, credo, cor ou situação financeira ou nível de instrução.

Os abusos sexuais de crianças acontecem todos os dias, dentro e fora de casa; a exploração sexual, na forma de prostituição infantojuvenil é lugar comum, desde Manaus a Porto Alegre, passando por Aparecida do Norte, por todas as praias turísticas nordestinas e pelas estradas que cortam o país; a cada minuto temos crianças assediadas pela internet e mais sites promovendo e lucrando com a pornografia infantil; o tráfico de pessoas, especialmente crianças e adolescentes, passa por nossos aeroportos a todo momento.

Estima-se que apenas 10% dos casos de abuso e exploração sexual sejam denunciados, mas essa situação vem mudando: Entre 2011 e 2017 o Brasil teve um aumento de 83% de notificações gerais de violência sexual contra crianças e adolescentes, segundo o boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde. Dentre os casos de estupro, assédio, pornografia, tráfico e prostituição, a maior parte das notificações é de estupro (51,2% entre as crianças e 67,8% entre os adolescentes) e a maioria das vítimas do sexo feminino (74,2% entre as crianças e 92,4% entre os adolescentes)

O “Disque 100” (Disque Direitos Humanos), que é o principal canal para denúncias sobre violência sexual infantojuvenil, vinculado ao “Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”, teve um aumento de 150% nos atendimentos de 2005 a 2008 (SDH). Entre 2003 e 2010, foram mais de 2 milhões de atendimentos e, dentre seus encaminhamentos, 59,4% se referiam a denúncias de abuso sexual e 38,41% exploração sexual. Já em 2011 recebeu uma média de 225 denúncias por dia, um crescimento de 160% em comparação com 2010. O acréscimo de 2011 até o primeiro terço do ano de 2012 foi de mais de 70%. O Atlas da Violência 2018, produzido pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e FBSP (Forum Brasileiro de Segurança Pública), aponta que as crianças são as maiores vítimas de estupro no Brasil!

O “abuso sexual” é o segundo tipo de violência mais comum contra crianças de 0 a 9 anos, responsável por 35% do casos denunciados, perdendo apenas para a “negligência e abandono”, que são 36% dos casos, segundo o Ministério da Saúde. Entretanto, ainda há que se considerar que justamente o abandono e a negligência são os grandes fatores que levam ao abuso sexual.

A exploração sexual de crianças e adolescentes é menos denunciada que o abuso, entretanto está presente em todo o país, na forma de prostituição infantojuvenil, tráfico de menores e turismo sexual. Para termos uma idéia, Francisco Rosário, da Comissão de Turismo Integrado do Nordeste (CTI-NE), afirmou na “Feira Internacional de Turismo da Holanda” (como citado pela Promotora de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Ana Lúcia Melo), que o turismo sexual afeta pelo menos 930 municípios brasileiros, dos quais 436 fazem parte do mapa turístico no Nordeste do Brasil. A prostituição infantojuvenil ligada ao tráfico e uso de drogas (especialmente o “crack”), é realidade em pequenas e grandes cidades brasileiras, nas ruas, nas “cracolândias”, nos portos, nos grandes estacionamentos de caminhões, milhares de pequenos hotéis e motéis, e até bordeis especializados, de norte a sul. O tráfico de pessoas, envolvendo a corrupção e uso de documentos falsos, não é novidade nos aeroportos do país.

Além disso, devemos levar em conta os milhares de casos que todos os dias são chegam aos Conselhos Tutelares, às Delegacias de Polícia, aos Policiais Militares e Promotores de Justiça de todo o Brasil.

Muitíssimo relevantes todos casos de exploração sexual infantojuvenil que envolvem a internet (especialmente pornografia infantil), denunciados junto à Polícia Federal, órgãos governamentais especializados ou mesmo ONGs que se dispõem a receber esse tipo de relato.

A Polícia Federal periodicamente realiza operações especiais contra a pornografia infantojuvenil, desde a “Operação Turko” (2009), que visou o extinto “Orkut”) até as recentes operações “Luz da Infância” (2019). A Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos (CND) recebeu 43.182 denúncias de pornografia infantil em 2015 e 60.002, em 2018. O FaceBook é a maior rede social do mundo e ainda é a mais usada por brasileiros, e o fato mais denunciado atualmente é a pornografia infantil.

A ONG SaferNet Brasil, por exemplo, atua desde 2005, combatendo de forma competente o uso indevido da Internet para a prática de crimes e violações contra os Direitos Humanos: aliciamento, produção e difusão de imagens de abuso sexual de crianças e adolescentes (pornografia infantojuvenil), racismo, neonazismo, intolerância religiosa, homofobia, apologia e incitação a crimes contra a vida e maus tratos contra animais. Para a realização desse trabalho associou-se a diversas outras entidades particulares ou governamentais, inclusive a ChildHood e o Ministério Público Federal. Hoje em dia a entidade se consolidou como referência nacional no enfrentamento desses delitos. Dentre suas atividades, a SaferNet recebeu, em 14 anos, mais de 4 milhões de denúncias, a grande maioria relativa a pornografia infantil (com aumento a cada ano).

Como se já não fosse óbvio a qualquer observador um pouco mais atento, em face de todas essas informações fica claro que o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, em todas as suas formas, são problemas cuja resolução é fundamental para o desenvolvimento da nação. Os crimes ligados à pedofilia corroem nossa infância e nossa juventude e comprometem gravemente o futuro do país.

Diante de tudo isso – e pelo bem de cada criança –precisamos saber – e fixar – que cada vez que vemos uma notícia de uma criança que foi estuprada pelo padrasto, ou por alguém próximo, ou por alguém da rua; cada vez que ouvimos notícias de crianças se prostituindo, seja na beira de uma praia no nordeste, seja num estacionamento de caminhões durante o escoamento de safras, num posto de gasolina, seja nas ruas da grande cidade; toda vez que vemos sites comercializando pornografia infantil; sempre que recebemos no whatsapp, ou por outras redes sociais, fotos e filmes de crianças abusadas, sendo torturadas, estupradas; toda vez ouvimos, vemos ou temos notícias dessas cenas... NÓS SOMOS RESPONSÁVEIS.

Quando nos manifestamos, seja com “Todos Contra a Pedofilia”, ou “Proteja Nossas Crianças”, ou “Carinho de Verdade”, ou qualquer outra campanha, todas igualmente importantes e boas, estamos automaticamente criando em torno de nós uma esfera de proteção a todas as crianças e adolescentes que estão a nossa volta, por que estamos dizendo para o criminoso pedófilo o seguinte: “essas crianças não estão abandonadas, não estão negligenciadas, elas serão sempre cuidadas, e caso nós percebamos a existência de algum agressor, de alguma ameaça, nós vamos denunciar, nós vamos agir, nós vamos tomar todas as providências”. Estamos praticando a proteção e a prevenção. Mas se nos omitimos, também somos culpados.

Todo dia é dia de colocar em primeiro lugar o direito da criança e do adolescente, todo dia é dia de cuidar, de prestar atenção na parte mais importante da nossa sociedade, que são as crianças. Todo o dia é dia para que a mostremos aos governantes, às famílias e à sociedade que o povo brasileiro, as pessoas de bem do nosso país, querem que a criança seja colocada sempre em primeiro lugar, que ela tenha educação, que ela tenha saúde, que ela tenha família, que ela tenha todos os direitos que estão definidos na lei, e, mais do que tudo, gravados no coração de cada pessoa de bem.

Portanto não nós esqueçamos jamais – especialmente nós promotores de Justiça – que nosso trabalho diário e nosso gesto de indignação são muito importantes, salvam vidas, salvam almas, salvam pessoas, especialmente crianças e adolescentes. Todos contra a pedofilia!

 

Casé Fortes (Carlos José e Silva Fortes)

Promotor de Justiça

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