Nos últimos anos se tem observado, através dos indicadores oficiais e da mídia, um expressivo aumento nas notificações de casos de crimes de violência sexual contra crianças, chamados crimes ligados à pedofilia. A pornografia infantil também assumiu enormes proporções em todo o mundo. No Brasil, o Ministério Público Federal computou milhares de denúncias, tanto envolvendo a internet (especialmente as chamadas “redes sociais” – como pornografia infantojuvenil e grooming), quanto fora dela (em casa, escola, rua, etc.)
O Hospital Pérola Byington, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, apresenta estatísticas que revelam o aumento significativo dos atendimentos relativos a casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Desde 2008 até a presente data somente o atendimento de crianças (pessoas menores de 12 anos) corresponde a mais de um terço do total de atendimentos de vítimas de violência sexual.
Experimentamos também um expressivo aumento das notificações de delitos de violência sexual contra crianças, especialmente inspirados pelas declarações de pessoas famosas, indicando que forma vítimas de abuso sexual na infância (as apresentadoras Xuxa Meneghel e Oprah Winfrey, as atrizes Cláudia Jimenez e Vanessa Willians, a atleta Joanna Maranhão, entre outros).
Esse aumento das notificações de crimes ligados à pedofilia não ocorre necessariamente pelo verdadeiro aumento dos casos, mas principalmente porque as campanhas de esclarecimento (p. ex. a campanha “Proteja nossas Crianças”, do Governo do Estado de Minas Gerais, a campanha “Todos contra a Pedofilia”, iniciada na CPI da Pedofilia, entre outras) têm obtido bons resultados em conscientizar a população da gravidade de tais delitos, da necessidade da apuração e de atendimento das vítimas.
Nesse ponto, é necessário compreender todo o sentido das palavras “pedofilia” e “pedófilo”: O termo “pedofilia” é uma palavra formada pelos vocábulos gregos “pedos” (que significa criança ou menino) + “filia” (inclinação, afinidade), portanto, literalmente, significa “afinidade com crianças”. Mas é evidente que quando se fala em “crimes ligados à pedofilia” ou “crimes de pedofilia”, não se está referindo a quem gosta de crianças de maneira pura e desinteressada. O significado não é literal e o termo deve ser entendido em todas as suas conotações.
No campo da Psiquiatria, desde 1850, os manuais elencaram várias formas de comportamentos chamados então de “perversões” e depois “parafilias”: “A primeira lista incluía: incesto, homossexualidade, zoofilia, pedofilia, pederastia, fetichismo, sadomasoquismo, transvestismo, narcisismo, autoerotismo, coprofilia, necrofilia, exibicionismo, voyeurismo, mutilações sexuais. Esta lista foi modificada inúmeras vezes, com acréscimos e substituições, até que, em 1995, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DMS-IV-TM, suprimiu os conceitos de perversões e homossexualidade, chamadas agora de “parafilias”, apelando de novo ao grego, com o sentido de ‘amores paralelos, à margem’.” 3
No campo da Psicologia a palavra “pedofilia” é usada para denominar uma parafilia caracterizada por predileção de adultos pela prática de ato sexual com crianças. Essa parafilia é também chamada de pedosexualidade, e pelo Código Internacional de Doenças da Décima Conferência de Genebra (CID-10) é um transtorno mental, o que não significa que o acusado seja doente mental ou tenha o desenvolvimento mental incompleto ou retardado, uma vez tal parafilia não impede que seu portador possa entender o caráter ilícito do que faz e determinar-se de acordo com este entendimento.4
De acordo com Tatiana Hartz,“A Pedofilia é a parafilia mais freqüente e mais perturbadora do ponto de vista humano. É um transtorno de personalidade, conseqüentemente um transtorno mental que caracteriza-se pela preferência em realizar, ativamente ou na fantasia, práticas sexuais com crianças ou adolescentes. Pode ser homossexual, heterossexual ou bissexual, ocorrendo no interior da família e conhecidos ou entre estranhos. A pedofilia pode incluir apenas o brincar jogos sexuais com crianças (observar ou despir a criança ou despir-se na frente dela), a masturbação, aliciamento ou a relação sexual completa ou incompleta. Embora a pedofilia seja uma patologia, o pedófilo tem consciência do que faz, sendo a pratica do abuso sexual fonte de prazer e não de sofrimento. São pessoas que vivem uma vida normal, têm uma profissão normal, são cidadãos acima de qualquer suspeita, famoso “gente boa”, é mais provável um pedófilo ter um ar "normal" do que um ar "anormal"”. 5
Fani Hisgail, afirma que: “O pedófilo sabe o que está fazendo. Mesmo considerando que se trata de uma patologia, ele preserva o entendimento de seus atos o que o diferencia de um psicótico. O fato de a pedofilia ser uma patologia não significa que o pedófilo não deva ser punido. ... As estatísticas têm mostrado que 80 a 90% dos contraventores sexuais não apresentam nenhum sinal de alienação mental, portanto, são juridicamente imputáveis. ... Assim sendo, a inclinação cultural tradicional de se correlacionar, obrigatoriamente, o delito sexual com doença mental deve ser desacreditada. A crença de que o agressor sexual atua impelido por fortes e incontroláveis impulsos e desejos sexuais é infundada, ao menos como explicação genérica para esse crime.” 6,7
Gilles Michel Ouimet, por sua vez, considera que “Sob o ponto de vista jurídico, a agressão sexual de uma criança por adulto é crime. Sob o ponto de vista psicológico, este adulto apresenta um transtorno mental. Explicar a psicopatologia por trás da pedofilia não desculpa nem minimiza o crime a que a criança é submetida”. 8
No campo jurídico, a palavra pedofilia vem sendo usada para indicar um conjunto de delitos de natureza sexual cometido contra a criança e/ou o adolescente. Entretanto não existe na legislação brasileira tipificação específica de um delito que tenha o nomem juris de “pedofilia”, embora o termo já tenha sido usado em documentos oficiais. No artigo 3º do “Acordo de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Panamá, no campo da Luta Contra o Crime Organizado”9, quando se refere ao intercâmbio de informações e dados, bem como tomada de “medidas conjuntas com vistas ao combate às seguintes atividades ilícitas”:... “atividades comerciais ilícitas por meios eletrônicos (transferências ilícitas de numerário, invasão de bancos de dados, pedofilia e outros)”. No anexo 1, nº 143, do Decreto 4.229/2002 (DOU 14.05.2002), que dispõe sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH, quando se refere “Combater a pedofilia em todas as suas formas, inclusive através da internet”; etc.10
Como visto, pedofilia não é simplesmente “gostar de crianças”, mas sim, “gostar de crianças para praticar sexo”, e praticar sexo com crianças é crime.
Pratica um crime ligado à pedofilia, portanto, aquela pessoa que comete um estupro contra uma criança, que cometeu um atentado violento ao pudor (antes da Lei 12.015/2009) contra uma criança, aquele que produz, vende, troca ou publica pornografia infantil, aquele que assedia sexualmente uma criança através da internet, aquele que promove a prostituição infantil, etc.11
Mas, como já esclarecido, existe uma minoria de pedófilos doentes e existe a grande maioria de pedófilos criminosos que sabem muito bem o que estão fazendo.
Existe o pedófilo não criminoso – ou seja, uma pessoa que é portadora da parafilia denominada pedofilia e que, portanto, tem atração sexual por crianças – que pode jamais praticar um crime ligado à pedofilia, justamente porque sabe que é errado ter relação de natureza sexual com uma criança ou usar pornografia infantil. Este pedófilo, justamente porque é dotado de discernimento e capacidade de autodeterminação, mantém seu desejo sexual por crianças somente em sua mente. Este não é criminoso, porque não praticou conduta ilegal.
Existe o pedófilo criminoso que, embora dotado de discernimento e capacidade de autodeterminação, resolve praticar uma relação de natureza sexual com uma criança ou produzir, portar ou usar pornografia infantil, v.g., mesmo sabendo se tratar de crime. Esse evidentemente é imputável e deve ser condenado conforme sua conduta. Trata-se de pessoa perversa.
Conforme Ana Beatriz Barbosa Silva, para realizarem seus crimes os pedófilos criminosos, por ela considerados psicopatas, costumam se “camuflar em profissões que permitam aproximar-se de crianças. São professores, chefes de escoteiros, treinadores esportivos, pediatras, religiosos que atuam em colégios, entre dezenas de profissões que exigem contato com crianças. Todas estas atividades profissionais apresentam uma aura socialmente reconhecida como nobres e educativas. O pedófilo usa, de forma maquiavélica, essa artimanha para acercar-se de suas vítimas, sem despertar suspeitas.” 12
Existe também uma minoria de pedófilos doentes mentais, que apresentam graves problemas psicopatológicos e características psicóticas alienantes, os quais, em sua grande maioria, seriam considerados juridicamente inimputáveis (se assim determinado pelo exame médico competente, realizado no decorrer de um processo judicial), porque não tem discernimento ou capacidade de autodeterminação. Caso estes exteriorizem suas preferências sexuais, na forma de estupro contra criança, produção de pornografia infantil, etc., por exemplo, não podem ser condenados, mas lhes deve ser aplicada a medida de segurança, conforme previsto em nossa legislação penal (art. 26 CP).
Existem, ainda, as pessoas que não são pedófilas, mas praticam crimes ligados à pedofilia. Por exemplo, aqueles que produzem e/ou comercializam a pornografia infantil para deleite dos pedófilos, mas que nunca sentiram atração sexual por crianças. Também temos aqueles que promovem a prostituição infantil, submetendo crianças ao “uso” dos pedófilos. Estes são simplesmente criminosos que visam lucro ilícito – tal como um traficante que não usa drogas.
Como visto, pedofilia é uma parafilia e pedófilo é aquele que é portador dessa parafilia, podendo ser ou não criminoso, conforme os atos que venha a praticar e conforme sua capacidade individual de discernimento.
Portanto, ser portador da parafilia denominada “pedofilia” não é, por si só, crime. Mas exteriorizar atos de pedofilia, ou seja, praticar estupro contra crianças, ou mesmo usar pornografia infantil, são crimes – porque definidos como tal em Lei. Tais crimes são evidentemente ligados à pedofilia – preferência sexual por crianças.
Nos últimos anos, além do já comentado aumento das notificações de crimes ligados à pedofilia, também ocorreram modificações na Lei Brasileira, visando o fornecer aos operadores do Direito, instrumentos melhores e mais eficazes para o enfrentamento da violência sexual, especialmente aquela dirigida contra a criança e o adolescente.
A Lei 11.829, de 25 de novembro de 2008, chamada “LEI CONTRA A PORNOGRAFIA INFANTIL”, que modificou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criando novos tipos de crimes para combate à pornografia infantil e ao abuso sexual, alterando os artigo 240 e 241, e criando os artigos 241-A a 241-E – proposta no mesmo ano pela CPI da Pedofilia.
A Lei 12.05, de 07 de agosto de 2009, chamada “Lei da Dignidade Sexual” alterou principalmente o Código Penal Brasileiro (CPB), modificou, criou e extinguiu tipos penais relativos a crimes sexuais, agravou penas e também alterou medidas processuais pertinentes, especialmente aos crimes cometidos contra menores de idade – proposta em 2004 pela CPMI da Exploração Sexual.
A Lei 12.650, de 17 de maio de 2012, chamada “LEI JOANNA MARANHÃO”, que modificou o artigo 111 do CÓDIGO PENAL, estabelecendo que nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos no CPB ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal – também proposta pela CPI da Pedofilia..
A chamada “Lei da Dignidade Sexual” (LDS) modificou, criou e extinguiu tipos penais relativos a crimes sexuais, agravou penas também alterou medidas processuais pertinentes (p. ex. promovendo o sigilo e facilitação da iniciativa da ação penal), especialmente aos crimes cometidos contra menores de idade.
Dentre as alterações, podemos ressaltar a fundição em um só tipo penal, que recebeu o nome de estupro, dos tipos relativos aos antigos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor.
Antes da LDS o crime de estupro (art. 213 do CPB) se referia somente à conjunção carnal propriamente dita (sexo vaginal), praticada por meio de constrangimento ilegal, perpetrado com violência ou grave ameaça à mulher, porque nessa época somente a mulher poderia ser vítima de estupro.
O crime de atentado violento ao pudor, por sua vez, se referia a prática de outros atos libidinosos (sexo oral, anal, etc., ou seja, atos de natureza sexual, que não a conjunção carnal, que visassem satisfazer a libido do agente), da mesma forma, praticados pro meio de constrangimento ilegal, perpetrado com violência ou grave ameaça à vítima, que poderia ser homem ou mulher.
Com a nova redação, foi revogado o artigo 214 do CPB, que previa o atentado violento ao pudor – tal crime não mais existe – e o conteúdo do artigo migrou para o novo artigo 213 do CPB, passando a ser chamado de simplesmente de “estupro”, tanto a conjunção carnal quanto qualquer outro ato libidinoso, praticado contra qualquer pessoa (homem ou mulher), mediante constrangimento perpetrado por meio de violência ou grave ameaça.
Sem dúvida houve uma simplificação, que atendeu até mesmo ao modo leigo de se referir aos crimes sexuais, uma vez que, não raramente, colhíamos declarações no sentido de que um homem, p.ex., submetido a uma relação sexual anal forçada, havia sido “estuprado”. Tal declaração, que então seria uma incorreção jurídica, hoje em dia será considerada correta até mesmo do ponto de vista jurídico.
Outra modificação relevante foi operada com a revogação do art. 224 do CP. Até então, conforme o artigo revogado, existia a figura da “presunção de violência”, ou seja, a relação sexual ou o ato libidinoso seriam considerados praticados mediante “violência ficta” – portanto classificados como estupro ou atentado violento ao pudor – se a) a vítima tivesse menos de 14 anos de idade, b) fosse alienada ou débil mental e/ou c) não podia, por qualquer motivo, oferecer resistência.
A chamada “presunção de violência” era considerada por alguns juristas absoluta e por outros relativa, mesmo no caso do limite temporal de idade – fato que levantou extensas e demoradas discussões jurídicas, que se estenderam desde a promulgação do Código Penal.
Com a criação do tipo do artigo 217-A, que tem o nomem juris de “estupro vulnerável” objetiva-se resolver esta questão, deixando claro que a relação sexual praticada com menor de 14 anos – independentemente de consentimento do menor – é considerada crime de estupro.
Da mesma forma, também é criminosa a relação sexual praticada com alguém que não tem o necessário discernimento para o ato, por enfermidade ou deficiência mental, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Foram também criados novos delitos, como por exemplo o definido no art. 218-A – satisfação da lascívia na presença de criança ou adolescente; e no art. 218-B – Favorecimento à prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável.
Ficou estabelecido o aumento de pena a ser aplicada em caso de condenação por qualquer crime deste Título VI do CPB (crimes contra a dignidade sexual) nos casos de: a) gravidez da vítima ou da agente; b) transmissão de DST.
Também ficou sendo considerado o regime de “Segredo de Justiça” (Sigilo dos Autos) para os processos que apuram qualquer dos crimes contra a dignidade sexual. Abrindo exceção à regra da publicidade do processo penal em favor do direito a privacidade das vítimas. A ação penal em tais delitos (estupro e atentado violento ao pudor) era, antes da LDS, considerada basicamente privada, especialmente sob o argumento do streptus judici, evidente manifestação da mentalidade social vigente nos anos 40 (época em que foi feito o Código Penal).
Hoje em dia, face a reforma do artigo 225 do CPB a ação penal é basicamente pública condicionada (à representação) e pública incondicionada, em se tratando de crime cometido contra o menor de 18 anos ou vulnerável, ou seja, o Ministério Público não depende mais de autorização do representante legal da vítima menor de 18 anos para processar o criminoso que a violentou (que muitas das vezes pode ser o próprio responsável).
Assim, com a promulgação da LEI DA DIGNIDADE SEXUAL, temos como principais crimes de violência sexual definidos no CPB:
Também pratica o crime e está sujeito às mesmas penas: I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 e maior de 14 anos na situação de prostituição (ou seja, quem tem relação com menor de idade prostituída); II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo (o dono do “bordel” ou “zona” onde se encontra o menor).
Em todos os casos acima a pena é aumentada, quando: resultar gravidez; se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador. É importante saber que os processos correrão em segredo de justiça, sendo a vítima menor.
Conforme o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), tínhamos os artigos 240 e 241, que já haviam sido modificados em 2003, pela Lei 10.764 de 12/11/2003, e estabeleciam como crimes, basicamente, a produção e distribuição de pornografia infantil.12
Entretanto, no dia 25 de novembro de 2008, durante a abertura do “III CONGRESSO MUNDIAL DE ENFRENTAMENTO DA EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES”, realizado no Rio de Janeiro, o Presidente da República sancionou a Lei 11.829/2008, proposta pela CPI da Pedofilia, que modificou o ECA, criando novos tipos de crimes para combate à pornografia infantil e ao abuso sexual, alterando os artigo 240 e 241, e criando os artigos 241-A a 241-E:
Também pratica este crime quem (artigo 241-D, parágrafo único, do ECA): facilita ou induz a criança a ter acesso a pornografia para estimulá-la a praticar ato libidinoso, ou seja, mostrar pornografia à criança para criar o interesse sexual e depois praticá-lo; ou estimula, pede ou constrange a criança a se exibir de forma pornográfica. O caso mais comum é o do criminoso pedófilo que pede a criança para se mostrar nua, semi-nua ou em poses eróticas diante de uma webcam (câmera de internet), ou mesmo pessoalmente.
“Internet Grooming” é a expressão inglesa usada para definir genericamente o processo utilizado por pedófilos criminosos (chamados também de predadores sexuais) na Internet, e que vai do contato inicial à exploração ou abuso sexual de crianças e adolescentes. Trata-se de um processo complexo, cuidadosamente individualizado, pacientemente desenvolvido através de contatos assíduos e regulares desenvolvidos ao longo do tempo e que pode envolver a lisonja, a simpatia, a oferta de presentes, dinheiro ou supostos trabalhos de modelo, mas também a chantagem e a intimidação.
Durante tal processo, muitas vezes a pornografia infantil (simulada ou não) é usada como estímulo e meio de convencimento. Tais fases podem variar ou se mesclar, dependendo da situação. Mas é importante perceber que os pedófilos criminosos são especialistas de engenharia social e sabem levar as crianças/jovens a revelar as suas necessidades e desejos para, em função disso, explorar as suas vulnerabilidades14.
CONCLUSÃO
Como visto, pedofilia evidentemente não é simplesmente “gostar de crianças”, mas é “ter interesse sexual por crianças”. A manifestação deste interesse pode constituir crime conforme as tipificações legais.
Todo aquele que exterioriza tais práticas, praticando conduta condenada por Lei, pratica um crime ligado à pedofilia, independentemente de ser ou não portador da parafilia denominada “pedofilia”.
Portanto, ser portador da parafilia denominada “pedofilia” não é, por si só, crime. Mas exteriorizar atos de pedofilia, ou seja, praticar estupro contra criança, ou mesmo usar pornografia infantil, por exemplo, são crimes – porque definidos como tal em Lei – e tais crimes são evidentemente ligados à pedofilia – preferência sexual por crianças.
Atualmente é inegável que a palavra “pedofilia” é usada com mais de um sentido, ou seja, para designar a citada parafilia e também para designar o conjunto de crimes sexuais contra a criança. Quando ouvimos dizer que alguém cometeu “crime de pedofilia”, evidentemente existe uma referência ao cometimento de um dos delitos sexuais contra a criança ou adolescente capitulados em nossa legislação, mas independente da questão de nomenclatura, o importante é que tenhamos em mente a necessidade de proteger a criança e adolescente dos crimes sexuais.
Quando dizemos “Todos contra a pedofilia”, dizemos exatamente “Todos a favor da criança”, ou seja, todos nós somos responsáveis pela defesa dos seus direitos, especialmente contra o abuso e a exploração sexual.
A criança e o adolescente são o que há de mais importante neste mundo. Essa importância é evidente e tem suas bases, não somente em convicções religiosas, morais, éticas ou sociais, mas até mesmo biologicamente é preponderante o instinto de perpetuação da espécie, que gera a necessidade premente de reprodução e proteção da prole, ou seja, dos nossos filhos: de cada criança e cada adolescente.
A Lei, como fruto da vontade do povo, no Estado Democrático de Direito – como no Brasil – não poderia estabelecer de forma diferente e por isso mesmo a Constituição Brasileira – nossa mais importante Lei – elegeu como a prioridade das prioridades o direito da criança e do adolescente.
Somente uma vez o termo “absoluta prioridade” foi utilizado na Carta Magna, e o foi no artigo 227 quando estabelece, entre os deveres e objetivos do Estado, juntamente com a sociedade e a família, assegurar a crianças e adolescentes os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à dignidade e ao respeito, dentre outros15.
É preciso, com urgência, que se dê, de fato, a “absoluta prioridade” aos direitos da criança e ao adolescente, conforme definido na Constituição Federal e conforme mandam a mente e o coração de toda pessoa de bem, especialmente no que tange à proteção contra os crimes ligados à pedofilia, que atingem todos os direitos fundamentais e prioritários dessa parcela preciosa de nossa população.
Na história da humanidade, desde as mais antigas legislações16, o crime sexual cometido contra a criança é condenado, mas sem o necessário rigor, havendo, ao contrário, muitos casos de tolerância e até mesmo de incentivo (Grécia e Egito da idade antiga). Nos dias atuais, apesar de alguns avanços, criticamos a excessiva complacência da Lei Penal e a insuficiência de mecanismos de prevenção e atendimento à vítima criança e adolescente.
Recentemente observamos personalidades famosas – as apresentadoras Xuxa Meneghel e Oprah Winfrey, as atrizes Cláudia Jimenez e Vanessa Willians, a atleta Joanna Maranhão17, entre outras pessoas – declarando em público que sofreram abuso sexual na infância. Tais relatos não merecem nosso julgamento quanto ao seu conteúdo e oportunidade, cada um tem seu tempo e sua maneira de encarar os fatos de sua própria vida, mas com certeza merecem nosso aplauso: pela coragem e pela solidariedade que eles inspiram. De nada valem os mecanismos legais sem a sensibilização e a manifestação da sociedade. É incalculável o número de pessoas que terão forças para desabafar, para promover o atendimento (inclusive psicológico) das vítimas, para desencadear processos de punição de criminosos e, principalmente, para atuar na prevenção dos crimes de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes.
É útil a revelação dos dramas para a garantia dos direitos da criança e do adolescente.
Garantir a observação dos direitos da infância e da adolescência é o único meio seguro e perene de garantir o progresso, a evolução e melhoria de vida para todas as pessoas. É investir no futuro.
Enfrentar os crimes ligados à pedofilia – que atingem diretamente todos os direitos da criança e do adolescente – é proteger a vítima, especialmente através do esclarecimento, da prevenção e da assistência, ao lado do combate severo e incansável ao crime.
Carlos Fortes (Casé)
Promotor de Justiça - Ministério Público de Minas Gerais
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Dr. Carlos, parabéns pelo texto, sobretudo, pela esplanação de conceitos. Abraço!
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