SOBRE OS ADOLESCENTES QUE PRATICAM DELITOS
Casé Fortes – Promotor de Justiça
“CF/88. Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com ABSOLUTA PRIORIDADE, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à EDUCAÇÃO, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Quando o Ministério Público e o Poder Judiciário cuidam do caso de adolescente que praticou um ato infracional, ou seja, um ato definido como crime ou contravenção, passa-se a tratar de EDUCAÇÃO – por determinação constitucional, jurisprudencial e doutrinária – jamais de crime... nunca de direito penal.
O ato infracional, diferentemente do crime, é o grito... é a linguagem... e a indicação de que aquele adolescente necessita de medidas educativas para o seu convívio social... exatamente as “MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS”.
A aplicação de tais medidas é de valor absolutamente prioritário para a Nação Brasileira. Não se trata de punir, mas de educar pessoas em desenvolvimento que demonstraram, através de seus atos, que precisam receber essa benesse, que é justamente a educação. Cada pessoa dessas é fundamental para a melhoria da sociedade do nosso país. O interesse na aplicação dessa medida de educação é evidentemente público, além de constituir um enorme benefício ao educando, até porque é seu direito constitucionalmente garantido recebê-la!
O adolescente que comete ato infracional tem o DIREITO sagrado, constitucional e prioritário, de receber a medida socioeducativa. Tal medida é de interesse público, mas é, primeiramente, vantagem ao educando.
Em perfeita consonância com o mandamento constitucional acima citado, dispõe o artigo 53 do ECA que "a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho..."
“Por conseguinte, as medidas socioeducativas, aliás, como se infere do próprio nome, visam a educar ou reeducar o adolescente que, por deficiências as mais variadas, não conseguiu assimilar as regras da boa convivência social, enveredando pelos caminhos da infração.
Aos pais incumbe o poder-dever de educar os filhos, conforme estabelece o artigo 229 da Constituição Federal e o artigo 384, inciso I, do Código Civil. Entretanto, diante da prática de um ato infracional por adolescente, o Estado se subroga nesse poder-dever de Educação, substituindo a atuação da família, que muitas vezes inexiste, pela sua própria intervenção.
Surge, então, a medida sócioeducativa, como instrumento de que se vale o Estado para educação do adolescente, visando ao seu desenvolvimento físico e intelectual, de forma sadia, de modo a prepará-lo para o exercício da cidadania.” (GAVIÑO, Vera Lúcia. Medidas Socioeducativas no ECA)
Quando observamos a “defesa” (que assim não deveria se chamar, nesse caso) procurar subterfúgios e sofismas para evitar que o adolescente receba a educação que precisa e à qual tem direito, nos entristece reconhecer que esse trabalho equivocado age na contramão do Direito e da Justiça. O pretenso “defensor” trabalha, por vezes, para evitar que o adolescente tenha acesso a um direito seu: o direito à educação.
Esse tipo de “defensor” age exatamente como o pai negligente e fraco, que “passa a mão na cabeça” do filho malcriado, que se faz de “bonzinho”, mas na verdade prejudica profundamente o próprio filho... em nome do seu comodismo e sua fraqueza de caráter.
O que é ensinado ao adolescente praticante de ato infracional quando este é instado a não assumir seus erros? A mentir em juízo, por vezes contrariando suas próprias palavras anteriores? A negar fatos evidentes? A se gabar da sua condição de “menor de idade” para praticar atos ilegais e injustos? ... “Mas eu sou ‘de menor’!! (sic)” ... É o brado que ouvimos em sala de audiência...
Certamente o objetivo do Direito da Criança e do Adolescente não é formar futuros “réus” (daqueles escolados nas audiências penais...), mas deve ser formar pessoas de bom caráter e um mínimo de honestidade! Não moleques e “espertinhos” (que já temos demais...) mas pessoas com hombridade e brio!!
Por conta deste tratamento desvirtuado – que deseduca – por vezes dispensado ao adolescente brasileiro autor de atos infracionais, estamos formando uma geração de safados, de mentirosos e de trapaceiros forenses!
O Direito da Infância e da Juventude não é Direito Penal! Não podemos tratar os adolescentes infratores como “criminosos em julgamento”, mas sim como pessoas que temos a obrigação de educar para a Verdade e para a Justiça!
Ressalto que essa obrigação de educar é de todos! “Família, da sociedade e do Estado” (Artigo 227 do CF/88), portanto também é obrigação do Ministério Público, dos Magistrados e dos Defensores!!
“A começar da análise dos dispositivos constitucionais, cuidando das crianças e dos adolescentes, com normas próprias e específicas, passando pela edição deste Estatuto, até atingir outras lei esparsas, mas referentes ao menor de 18 anos, torna-se indiscutível o surgimento de um ramo relevante e destacado do Direito: Infância e Juventude. Alguns também o tratam de Direito da Criança e do Adolescente. Entretanto não se trata de submatéria do Direito Civil, muito menos de Direito Penal.
...
A bem da verdade os juízes, promotores e defensores que subestimarem o Direito da Infância e Juventude, recusando-se a estudá-lo minunciosamente, convencidos de que, civilistas ou penalistas que são, estão aptos a operar com crianças e adolescentes, causam imensos danos concretos aos propósitos deste Estatuto. Somos avessos à idéia de um Direito Penal Juvenil ou Direito Penal do Adolescente. Como dissemos, jamais se poderá considerar este relevante ramo autônomo como subspécie do Direito Penal, seja para fins científicos, seja para finalidades práticas.”
(NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: em busca da Constituição Federal dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. Rio de Janeiro: Forense, 2015).
Como observamos da lapidar Doutrina de Nucci, o Direito da Infância e Juventude existe para garantir os direitos de cada criança e adolescente, inclusive do autor de atos infracionais, nos exatos termos da artigo 227 da Constituição Brasileira, que o elegeu como a prioridade das prioridades.
Somente uma vez que o termo “absoluta prioridade” foi utilizado na Carta Magna, e o foi justamente no já citado e transcrito artigo 227 da CF/88. Tal distinção dada aos direitos da criança e do adolescente não é gratuita. Com certeza nada existe de mais importante que as crianças e os adolescentes, depois de Deus. Até biologicamente é preponderante o instinto de perpetuação da espécie, que gera a necessidade premente de reprodução e proteção da prole.
Garantir a observação dos direitos da infância e da adolescência é garantir o progresso, a evolução e melhoria de vida para todas as pessoas. É investir no futuro. Dentre os direitos prioritários elencados no artigo 227 da CF/88 destaca-se o direito à EDUCAÇÃO, o qual, via de regra, é raiz dos demais.
É para a garantia do DIREITO À EDUCAÇÃO que existe o processo de aplicação de medidas socioeducativas em face dos atos infracionais.
“Soa-nos incompatível aos propósitos da Constituição Federal (art. 227) e desta Lei (ECA), com todos os seus princípios protetivos à criança a ao adolescente, cuidarmos de um direito penal juvenil ou direito punitivo infantojuvenil (e similares)”.
...
Praticada a infração penal (crime ou contravenção) nasce a pretensão punitiva do Estado; cometido o ato infracional, nasce a pretensão EDUCATIVA.”
(NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: em busca da Constituição Federal dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. Rio de Janeiro: Forense, 2015).
Vejamos a Jurisprudência do STJ:
“Tratando-se de menor inimputável, não existe pretensão punitiva estatal propriamente, mas apenas pretensão EDUCATIVA, que, na verdade, é dever não só do Estado, mas da família, da comunidade e da sociedade em geral, conforme exposto expressamente na legislação de regência (Lei 8.069/90, art. 4) e na Constituição Federal (art. 227). De fato, é nesse contexto que se deve enxergar o efeito primordial das medidas socioeducativas, mesmo que apresentem, eventualmente, características expiatórias (efeito secundário), pois o indiscutível e indispensável caráter pedagógico é que justifica a aplicação das aludidas medidas, da forma como previstas na legislação especial (Lei 8.069/90, arts. 1121 a 125), que se destinam essencialmente à formação e reeducação do adolescente infrator, também considerado como pessoa em desenvolvimento (Lei 8.069/90, art. 6), sujeito à proteção integral (Lei 8.069/90, art 1º), por critério simplesmente etário (Lei 8.069/90, art 2º, caput)” (STJ, HC 146.641/SP, 5ª Turma rel. Arnaldo Esteves Lima, DJ 15.12.2009, v.u.).
Assim sendo, não há, dentro do Direito da Infância e da Juventude, qualquer ação “contra” ou em “desfavor” de alguma criança ou de algum adolescente... todas as ações devem ser “em benefício” e “a favor” da pessoa em desenvolvimento e, em última análise, da sociedade... e, ao menos da parte do Ministério Público, todo e qualquer ato processual ou extraprocessual é realizado em favor do menor de idade.
Dito isso, o Ministério Público repudia e considera ilegais, posto que contrárias à Constituição Federal Brasileira, todas as medidas ditas “defensivas”, baseadas em direito penal, que usam de hipocrisia em detrimento da Verdade e da Justiça, simplesmente visando evitar que um adolescente venha a ter acesso ao seu sagrado DIREITO À EDUCAÇÃO.
É evidente que o adolescente autor de ato infracional tem direito a contestar o fato que gera a reeducação que lhe é oferecida, mas que o faça dentro da VERDADE REAL e dos princípios do IDEAL DE JUSTIÇA, ou esta contestação não passará de deseducação.
Quando a “defesa” é “pasteurizada”, simplesmente copiada dos processos criminais relativos a meliantes da pior espécie, distanciada da verdade e calcada em sofismas, esta não serve ao adolescente. Tais atos não são de Defesa... são de agressão ao menor, pois pior que evitar sua reeducação e realizar sua deseducação, através do mau exemplo da burocracia vazia e meramente protelatória.
Casé Fortes
Promotor de Justiça
Adicionado por Carlos José e Silva Fortes
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