ARTIGO: ADOÇÃO - ASPECTOS PRÁTICOS – LEI 12.010/2009 - CARLOS FORTES

OAB-MG - 48ª Subseção - Divinópolis-MG - Drª Patrícia, Drª Andréia, Promotor Carlos Fortes, Presidente Dr. Iris José de Almeida e Drª Juliana

Artigo: Carlos Fortes, Promotor de Justiça

case.fortes@uol.com.br

ADOÇÃO – ASPECTOS PRÁTICOS – LEI 12.010/2009

1.    DO DIREITO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR – DA ADOÇÃO – DO “DUE PROCESS OF LAW”

A Constituição Brasileira elegeu como a prioridade das prioridades o direito da criança e do adolescente. Somente uma vez que o termo “absoluta prioridade” foi utilizado na Carta Magna, e o foi no artigo 227:

“Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

A Constituição do Estado de Minas Gerais, por sua vez, assegura:

“Art. 222: É dever do Estado promover ações que visem assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade, o direito à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização,cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária e colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Tal distinção dada aos direitos da criança e do adolescente não é gratuita. Com certeza nada existe de mais importante que as crianças e os adolescentes, depois de Deus. Até biologicamente é preponderante o instinto de perpetuação da espécie, que gera a necessidade premente de reprodução e proteção da prole.

Garantir a observação dos direitos da infância e da adolescência é garantir o progresso, a evolução e melhoria de vida para todas as pessoas. É investir no futuro.

Dentre os direitos prioritários acima elencados destaca-se o direito à convivência familiar, o qual, via de regra, é raiz de todos os outros, uma vez que, abrigado no seio de uma família responsável, a criança e o adolescente têm garantidos – justamente por esta família – os demais direitos fundamentais.

A adoção é uma medida protetiva e uma das formas de colocação em família substituta que estabelece o parentesco civil entre adotante e adotado, certamente a mais completa, uma vez que torna filho (sem qualquer distinção) do requerente a pessoa (criança ou adolescente) que se adota.

Adoção tem como características ser ato personalíssimo, excepcional, irrevogável, incaducável, plena e só pode ser constituída por sentença judicial, precedida do “Due Process of Law” – garantia constitucional.

Considerando a seriedade, abrangência, importância prioritária e caráter perene da medida, há que se observar com redobrado critério os requisitos para sua efetivação.

2.    DA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Conforme o artigo 127 da Constituição Brasileira, o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O artigo 129 da Carta Magna, por sua vez, enumera as funções institucionais do Ministério Público, e destaco o disposto no inciso IX, que determina o exercício pelo Parquet de outras funções que lhe forem conferidas.

Nesse contexto se inserem os artigos 200 a 205 do ECA, que versam sobre as funções a serem exercidas pelo Ministério Público na tutela dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Dentre as funções que competem ao Ministério Público conforme o artigo 201 do ECA, temos:

“Art. 201. Compete ao Ministério Público:
...
III - promover e acompanhar as ações de alimentos e os procedimentos de suspensão e destituição do poder familiar, nomeação e remoção de tutores, curadores e guardiães, bem como oficiar em TODOS os demais procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude;”

Além das regras acima citadas, especialmente em relação ao procedimento de pedido de adoção, ainda mais quando tem como pressuposto ou pedido cumulado a destituição de poder familiar, a intervenção e fiscalização do Ministério Púbico são obrigatórias e colocadas de maneira específica ao longo da legislação, v.g., na coleta do consentimento dos pais biológicos (artigo 166, §§ 2º e 3º, ECA).

A participação do Ministério Público assegura o bom andamento do feito e a legalidade dos procedimentos e, entendo, é necessária desde seu início, especialmente em ações que envolvem PODER FAMILIAR, GUARDA e ADOÇÃO, uma vez que a convivência entre uma criança ou adolescente e sua família substituta gera vínculos relevantes que se consolidam com o tempo.

Caso o RMP só tenha conhecimento da existência do vínculo após sua consolidação é evidente que sua manifestação fica prejudicada, considerando que há que se analisar – antes de criado o citado vínculo – da conveniência e legalidade do referido.

Por estes motivos, ressaltada a garantia constitucional do “Due Process of Law”, a intimação do Ministério Público, prévia e pessoal, para todos os atos processuais é requisito essencial e obrigatório para a validade destes, por corolário de entendimento Constitucional e por expressa determinação legal.

“Art. 203. A intimação do Ministério Público, em qualquer caso, será feita pessoalmente.”
 
“Art. 204. A falta de intervenção do Ministério Público acarreta a nulidade do feito, que será declarada de ofício pelo juiz ou a requerimento de qualquer interessado.”

Portanto, é fundamental que seja dada oportunidade de manifestação ao Ministério Público desde o início do processo de cadastramento para adoção, destituição de poder familiar, adoção e guarda, especialmente em se tratando de situações em que há possibilidade de formação de vínculos socioafetivos.


3.    DOS REQUISITOS DA ADOÇÃO

Verificada a importância prioritária, a gravidade e excepcionalidade da adoção, bem como da necessidade da intervenção do Ministério Público, passo a analisar um a um os requisitos próprios da adoção ora pretendida.

Os requisitos necessários à efetivação da adoção podem ser divididos, a princípio, em subjetivos e objetivos, a saber:

3.1.    Requisitos Subjetivos:

3.1.1.    Idoneidade dos que querem adotar
3.1.2.    Motivos legítimos para a adoção
3.1.3.    Reais vantagens para a pessoa que se quer adotar

3.2.    Requisitos Objetivos:

3.2.1.    Idade e parentesco das pessoas envolvidas
3.2.2.    Consentimento ou destituição de poder familiar dos pais biológicos
3.2.3.    Consentimento da pessoa que se quer adotar
3.2.4.    Estágio de convivência
3.2.5.    Prévio cadastramento

Passemos à análise:


3.1.    REQUISITOS SUBJETIVOS:

“ECA. Art. 29. Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado.”
“ECA. Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.”



3.1.1.    Idoneidade dos que querem adotar

A análise do primeiro requisito trata de verificar a idoneidade dos requerentes da adoção, por motivos óbvios, uma vez que o Poder Judiciário poderá confiar a esta pessoa (ou pessoas) o bem mais precioso de nossa Nação, ou seja, o ser humano criança ou adolescente.

Há que se conferir se não existem impedimentos de ordem pessoal por parte de quem quer adotar que sejam incompatíveis ou impeçam o exercício pleno da paternidade (e/ou maternidade) de modo responsável e eficiente.

Cabível, para esta análise, a juntada de certidões relativas a existência de condenações criminais ou civis em desfavor da parte requerente, além de quaisquer outros documentos que possam atestar a idoneidade desta.

Extremamente útil também o parecer psicossocial, que pode revelar circunstâncias desabonadoras (v. g.: requerentes alcoólatras, prostituídos, usuários de droga, detentores de maus hábitos, etc.).

Evidente que o prévio deferimento da habilitação para adoção atesta idoneidade dos requerentes, uma vez que tal circunstância é obrigatoriamente verificada no processo de deferimento da inclusão no Cadastro Nacional de Adotantes.

Entretanto, caso o requerente ou os requerentes não sejam cadastrados, ou não havendo comprovação do deferimento da habilitação à adoção, entendo necessária a juntada de certidões relativas a existência de condenações criminais ou civis em face da parte requerente.


3.1.2.    Motivos legítimos para a adoção

Quanto a este aspecto, cabe verificar a existência do motivo legítimo para a adoção, v.g., o “desejo de filiação, ou seja, a vontade de ter a pessoa em desenvolvimento como filha” (ROSSATO. Luciano Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010), bem como a ausência de interesses escusos, v.g., exploração de possíveis bens do adotando abastado ou fuga da condição de tutor.

Para tal comprovação, além da declaração da parte requerente, postada desde a peça exordial e/ou colhida em audiência, entendo que é útil certidão sobre possíveis bens da pessoa que se quer adotar, ad cautelam.


3.1.3.    Reais vantagens para a pessoa que se quer adotar

Tal requisito “traduz-se na possibilidade efetiva de convivência familiar e estabelecimento de vínculo adequado à formação e ao desenvolvimento da personalidade do adotando” (ROSSATO. Luciano Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010).

Digo um pouco mais... trata-se de verificar se a medida pleiteada de fato será eficiente para a garantia do sagrado direito à convivência familiar e, evidentemente, dos demais direitos prioritários firmados no artigo 227 da Constituição Brasileira, “à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, os quais são mesmo “dever da família, da sociedade e do Estado”, portanto, dever de todos.


3.2.    REQUISITOS OBJETIVOS:


3.2.1.    Idade e parentesco das pessoas envolvidas

Os primeiros requisitos objetivos para a adoção são relativos à idade das pessoas envolvidas e ao parentesco, natural ou civil, entre elas, sendo que o artigo 42 do ECA estabelece as regras de forma clara:

“Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. (Redação dada ao caput pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 1º. Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.

§ 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 3º. O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.

§ 4º Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 5º Nos casos do § 4º deste artigo, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 6º A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)”

Há, portanto, que se observar sempre se a parte requerente é maior de 18 (dezoito) anos, se há diferença de mais de 16 (dezesseis) anos entre esta e a pessoa que se quer adotar, bem como se há o parentesco impeditivo (ascendentes ou irmãos).

Em se tratando de adoção conjunta, a estabilidade da união (casamento ou união estável) deve ser sempre verificada pelo estudo psicossocial.


3.2.2.    Consentimento ou destituição de poder familiar dos pais biológicos

Um dos requisitos mais complexos para o deferimento da adoção pressupõe a autorização dos detentores do poder familiar (pais biológicos via de regra) ou a destituição destes.

“O consentimento é requisito essencial, pois a adoção importará extinção do vínculo biológico, devendo ser expressado de forma inequívoca perante o juiz e somente será válido após o nascimento da criança (art. 166. §§ 4º e 6º, ECA), não podendo ser admitido presumidamente, como equivocadamente defendem alguns, com mera citação dos pais biológicos. Não se admite, da mesma forma, seja suprimido judicialmente. Dispensa-se o consentimento dos pais apenas se foram desconhecidos ou destituídos do poder familiar.” (CARVALHO, Dimas Messias. ADOÇÃO E GUARDA. Belo Horizonte: Del Rey, 2010).
“O devido processo legal será exaustivamente fiscalizado nos processos de adoção, cabendo ao representante do Ministério Público acompanhar toda a tramitação judicial, opinando e assegurando a liberdade de manifestação do titular do poder familiar. Somente após o convencimento da impossibilidade de a criança permanecer nessa família original, seja natural ou extensa, é que prosseguirá o feito” (RIBEIRO. Paulo Hermano Soares. NOVA LEI DA ADOÇÃO COMENTADA. Leme: Mizuno, 2009).

A Constituição Brasileira e o ECA, especialmente após a modificação determinada pela Lei 12.010/2009, priorizam a manutenção da criança e do adolescente na família natural (ou biológica), ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por provas que embasem uma decisão judicial.

Pelo motivo acima exposto e dada a gravidade e importância da medida (já comentadas anteriormente), o ECA trata detalhadamente do consentimento a ser dado pelos pais biológicos:

“Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando.

§ 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar.”


“Art. 166. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de advogado.

§ 1º Na hipótese de concordância dos pais, esses serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público, tomando-se por termo as declarações.

§ 2º O consentimento dos titulares do poder familiar será precedido de orientações e esclarecimentos prestados pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, em especial, no caso de adoção, sobre a irrevogabilidade da medida.

§ 3º O consentimento dos titulares do poder familiar será colhido pela autoridade judiciária competente em audiência, presente o Ministério Público, garantida a livre manifestação de vontade e esgotados os esforços para manutenção da criança ou do adolescente na família natural ou extensa.

§ 4º O consentimento prestado por escrito não terá validade se não for ratificado na audiência a que se refere o § 3º deste artigo.

§ 5º O consentimento é retratável até a data da publicação da sentença constitutiva da adoção.

§ 6º O consentimento somente terá valor se for dado após o nascimento da criança.

§ 7º A família substituta receberá a devida orientação por intermédio de equipe técnica interprofissional a serviço do Poder Judiciário, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar.
(Redação dada ao artigo pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)”

Caso o consentimento tenha sido colhido de forma legal, atendido o “Due Process of Law” (ou seja, em audiência judicial, não suprida por declaração particular, mesmo reconhecida em cartório), estará cumprido este requisito objetivo.

Caso exista a prévia destituição do poder familiar, feita por meio de ação promovida pelo Ministério Público, também atendendo ao “Due Process of Law”, também estará cumprido este requisito objetivo.

Porém, caso não haja o suprareferido consentimento expresso dos detentores do poder familiar ou a prévia destituição do poder familiar, haverá então a necessidade da coleta deste consentimento dos pais biológicos ou da destituição do poder familiar que a eles pertence.


3.2.2.a – Da Cumulação dos Pedidos de Destituição de Poder Familiar e Adoção

Muitas vezes o pedido de adoção é cumulado com o pedido de destituição de poder familiar, dentre estas tantas outras vezes este pedido (destituição de poder familiar) é feito de forma en passant, na exordial – sem o devido destaque.

Parte da doutrina pertinente manifesta-se contra tal expediente, ou seja, a cumulação dos pedidos de adoção com destituição de poder familiar:


“Não se pode cumular pedido de adoção a destituição de poder familiar, de procedimento distinto e contraditório, com possibilidade de ampla defesa. A prática forense, entretanto, tem adotado a cumulação do pedido de adoção com destituição de poder familiar, contrariando o procedimento específico para destituição previsto nos arts. 155 a 163 da Lei 8,069/1990, contencioso e oferecendo ampla defesa, orientado sobre a necessidade de citação pessoal e estipulado o prazo de 120 dias para conculsão” (CARVALHO, Dimas Messias. ADOÇÃO E GUARDA. Belo Horizonte: Del Rey, 2010).

Há julgados em ambos os sentidos, tanto permitindo a cumulação (TJMG. AC 1.0112.01.002100-7/001. Re. Des. Edgard Penna Amorim. J. 23.09.2004. p. 23.02.2005) quanto entendendo haver carência de direito à ação por impossibilidade jurídica do pedido (STJ. REsp. 283.092 – SC. Rel. originário Min. Humberto Gomes de Barros e Re. Para o acórdão Min. Castro Filho. J. 14.02.2006 // TJMG. AC n. 1.0083.04.001548-5. Rel. Des. Maria Eliza. J. 15.02.2007, p. 09.03.2007).

Entendo, s.m.j., que é possível e viável a cumulação dos pedidos, considerando a destituição do poder familiar como pressuposto lógico do deferimento da adoção, que visa garantir o direito fundamental e prioritário – de toda criança – à convivência familiar, nos termos do artigo 227 da CF/1988.

Há que se observar, entretanto, que, havendo a necessidade da cumulação, o pedido deve ser feito de modo explícito, ou seja, “AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR E ADOÇÃO”, nesta ordem por corolário lógico, uma vez que somente poderá se cogitar a adoção com a prévia renúncia ou destituição de poder familiar (a não ser em casos em que a maternidade e a paternidade são desconhecidas ou os pais falecidos).

Evidente que, considerando que os procedimentos relativos à destituição de poder familiar e adoção são diferentes, há de se adotar o que permita maior dilação probatória, portanto, o relativo ao primeiro pedido.

Também é evidente que os pais biológicos devem ser citados para contestação facultativa do pedido. Caso não compareçam ao processo, porém, entendo que, ad cautelam e especialmente em tais casos, será indispensável a oitiva destes pais biológicos, obviamente quando estes puderem ser encontrados.

Primeiramente para proporcionar oportunidade para uma possível renúncia ao poder familiar, que resolveria a questão sumariamente, evitando a produção de provas e o julgamento do pedido.

Em segundo lugar, se não houver a renúncia, os pais biológicos de qualquer modo fornecerão, em seus depoimentos pessoais, elementos necessários ao julgamento do pedido de destituição. Uma vez que a sentença que os destitui deste poder deve ser, evidentemente, baseada em provas colhidas nos termos do CPCB.

Assim sendo, é muito importante que, não havendo o consentimento ou prévia destituição do poder familiar dos pais biológicos de quem se quer adotar, o pedido de destituição seja feito em conjunto com o de adoção, nessa ordem e de forma explícita, indicando-se na exordial o endereço para a citação dos genitores biológicos e as provas dos motivos do pedido de destituição (negligência, maus-tratos, abandono, etc.).


3.2.3.    Consentimento da pessoa que se quer adotar

Outro requisito necessário é o consentimento do adotante, obrigatório quando se trata de adolescente e facultativo quando se trata de criança, nos termos dos artigos 28 e 45 do ECA:

“Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

§ 1º Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 2º Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)”


“Art. 45. ...
...
§ 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consetimento.”

Vejamos a doutrina:

“...deve haver a concordância do adotando maior de 12 anos. Essa exigência está consubstanciada no § 2º do art. 45 do Estatuto que, como já destacado, se utiliza da técnica legislativa ruim, pois refere a “adotando maior de doze anos de idade”, quando o ideal seria que constasse a expressão “adotando com 12 anos completos”, ou sejam adotando adolescente. Ademais, a criança, quando possível, também será ouvida, ainda que sua opinião não seja determinante. Trata-se de decorrência do princípio da proteção integral, em que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, e não objeto de proteção.” (ROSSATO. Luciano Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010)

Portanto, tratando-se de criança pequena entendo dispensável e até inviável a coleta de sua declaração. Por outro lado é bem vinda e salutar a oitiva, mesmo da criança, quando esta já estiver em condições de se manifestar e tal manifestação não traga à criança qualquer constrangimento. Em se tratando de adolescente (pessoa com 12 anos de idade completos ou mais) a declaração é obrigatória.


3.2.4.    Estágio de convivência

Trata-se de um período de convivência entre a parte requerente da adoção e adotando, cujas principais finalidades legais são: permitir o estabelecimento de um relacionamento íntimo entre ambos e verificação de possibilidade de vínculo afetivo; possibilitar a adaptação entre os envolvidos; permitir a verificação dos demais requisitos da adoção – em suma – “verificar a compatibilidade entre adotante e adotando” (ROSSATO. Luciano Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010).

A boa Doutrina também ressalta que o referido estágio de convivência “...deve ser acompanhado por estudo psicossocial que tem por finalidade apurar a presença dos requisitos subjetivos para a adoção (idoneidade do adotando; reais vantagens para o adotando e; motivos legítimos para a adoção)” (ROSSATO. Luciano Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010).

O ECA ressalta a necessidade do estágio por tempo fixado pelo Magistrado, acompanhamento psicossocial minucioso, bem como e as possibilidades de dispensa:

“Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.

§ 1º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 2º A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 3º Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 4º O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)”

Como visto, “...só permanece a possibilidade de dispensa para a hipótese em que o adotando já estiver sob a  tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. Reforçando ser essa a única possibilidade de dispensa, o também novo § 2º do art. 46 do Estatuto determina que a simples guarda de fato não autoriza, por si só,  a dispensa da realização do estágio de convivência. Por esses motivos, deve, portanto, sempre haver a verificação de eventual vínculo familiar formado.” (ROSSATO. Luciano Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010).

Assim, para a dispensa do estágio de convivência há que se considerar a idade do adotando e o fato de este já se encontrar sob a guarda da parte requerente por tempo suficiente para verificar “conveniência da constituição do vínculo”, como visto no estudo psicossocial.

Caso contrário, ou seja, quando não houver a guarda por parte dos requerentes por tempo razoável, atendendo ao imperativo legal, é necessário o estágio de convivência, por prazo a ser fixado pelo Juiz, com posterior expedição de “relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida” (artigo 46, §4º, ECA) por parte dos técnicos do setor psicossocial (artigo 167, ECA).


3.2.5.    Prévio cadastramento

Por fim, em relação aos requisitos, considerando que a adoção somente será deferida a candidato previamente cadastrado nos termos do artigo 50 do ECA (salvo as exceções do §13); e considerando também que, nos termos do §12 do mesmo artigo, “A alimentação do cadastro e a convocação criteriosa dos postulantes à adoção serão fiscalizadas pelo Ministério Público”, entendo que há necessidade de comprovação do cadastro referido, bem como do modo e ordem da convocação.

Anoto, da Doutrina pertinente:

“Em regra, família substituta que não esteja cadastrada não poderá adotar. A inscrição no cadastro deverá ser requerida por meio de um procedimento específico, regulado no Estatuto a partir do art. 197-A, sob a rubrica “Da Habilitação de Pretendentes à Adoção... Outrossim, como medida de garantia do princípio constitucional da publicidade, insculpido nos art. 37 e 93, X da Constituição Federal, as autoridades estaduais e federais em matéria de adoção terão acesso integral aos cadastros...a autoridade judiciária deverá providenciar, no prazo de quarenta e oito horas, a inscrição das crianças e adolescentes em condições de serem adotados que não tiveram colocação familiar na comarca de origem, e das pessoas ou casais que tiveram deferida sua habilitação à adoção nos cadastros estadual e cadastro nacional, sob pena de responsabilidade. Quanto ao tipo de responsabilidade, a alteração legislativa silencia. Entretanto, há a possibilidade de incidência de incidência de responsabilidade nos três âmbitos: administrativo (funcional), civil e criminal. Outrossim, determina-se que a alimentação do cadastro e a convocação criteriosa dos postulantes à adoção sejam fiscalizados pelo Ministério Público. ... deferida a habilitação, o postulante será inscrito nos cadastros, sendo a sua convocação para a adoção feita de acordo com a ordem cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis.” (ROSSATO. Luciano Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010)

É evidente que o interesse preponderante é o bem estar da pessoa em desenvolvimento que se quer adotar, inclusive conforme a Jurisprudência:

162000002626 JECA. 50 – AÇÃO DE ADOÇÃO – REQUERENTE NÃO FIGURANTE DO CADASTRO DE ADOTANTES – VIABILIDADE – EXEGESE RELATIVA QUE DEVE CEDER AO ATENDIMENTO DOS INTERESSES DO MENOR – SENTENÇA CASSADA PARA RETOMADA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL COM RESTABELECIMENTO DO ESTADO DE FATO ANTERIOR À PROPOSITURA DA DEMANDA – As demandas que envolvem o estado do menor, como a de adoção, guarda, destituição de pode familiar, entre outras, que afetem diretamente a situação e o destino dos infantes, se mostram singulares ao julgador, visto que, ao final, ao se proferir a decisão, o que deve prevalecer é o interesse da criança, seu bem estar físico e psicológico, suas condições de vida social e familiar, que a tudo se sobrepõe, inclusive à letra fria da lei. A inscrição em cadastro de adotantes, previsto no art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, embora se mostre como formalidade útil à prevenção de ilicitudes e crimes praticados contra menores, possibilitando uma prévia identificação e qualificação dos adotantes, não se mostra como exegese de caráter absoluto e indispensável à adoção, se as particularidades emergentes do caso concreto viabilizem o exercício da pretensão. Configura tal hipótese o caso em que a adotante, pessoa de aparente idoneidade, recebeu o menor voluntariamente dos braços da mãe biológica quando o infante tinha seus primeiros dias de vida, desenvolvendo-se entre ambos, ao longo do tempo, relação afetiva de mãe e filho. Evidenciado o interesse processual equivocadamente negado pela julgadora de primeiro grau de jurisdição, impõe-se cassação da sentença e a determinação da retomada do devido processo legal, procedendo-se, inclusive, à devolução do menor à requerente, a fim de que se restabeleça a situação de fato anterior à decisão extintiva do processo, elidindo-se ademais, a insensível e nociva determinação de separação do infante daquela que tem como mãe. Recurso conhecido. Decisão cassada. (TJTO – Ap 10744/10 – 1ª C.Cív. – Rel. Amado Cilton – DJe 19.07.2010 – p. 2)

Entretanto, “a ordem cronológica das habilitações somente poderá deixar de ser observada pela autoridade judiciária nas hipóteses previstas no § 13 do art. 50 do Estatuto, quando comprovada ser essa a melhor solução no interesse do adotando.” (ROSSATO. Luciano Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010), havendo necessidade da fiscalização para se evitar possíveis irregularidades e nulidades futuras, que possam a vir prejudicar a criança ou adolescente.

Para cumprimento de tal requisito, o ideal é que conste dos autos certidão comprovando o cadastramento, bem como o modo e ordem de convocação para a adoção (quando é pertinente tal convocação, via de regra, em se tratando de recém nascidos.


3.2.5.a – Do processo de cadastramento de candidatos a adotante

Como já anotado, a adoção somente será deferida a candidato previamente cadastrado nos termos do artigo 50 do ECA (salvo as exceções do §13), cadastramento este que poderá ser deferido após o devido processo legal estabelecido nos artigos 197-A a 197-E do ECA, devendo ser considerado que, nos termos do §12 do mesmo do artigo 50 do ECA, “A alimentação do cadastro e a convocação criteriosa dos postulantes à adoção serão fiscalizadas pelo Ministério Público”.
 
O prévio deferimento da habilitação para adoção busca verificar, em suma, a idoneidade dos requerentes, uma vez que o Poder Judiciário poderá vir a confiar a esta pessoa (ou pessoas) o bem mais precioso de nossa Nação, ou seja, o ser humano criança ou adolescente.

“ECA. Art. 29. Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado.”

“ECA. Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.”

3.2.5.a.1 – DO DEVIDO PROCESSO LEGAL DE HABILITAÇÃO PARA ADOÇÃO – DA NATUREZA DO FEITO – DA NECESSIDADE DE ADVOGADO

Nos termos do artigo 197-A, ECA, trazido pela Lei 12.010/2009 “a habilitação à adoção transformou-se em um processo, inclusive com petição inicial, que deve ser acompanhada de uma série de documentos...”, como afirma a Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e Vice-Presidente Nacional do IBDFAM, Maria Berenice Dias, em sua pertinente crítica à nova Lei, no artigo “O lar que não chegou” (DIAS, Maria Berenice. “O LAR QUE NÃO CHEGOU”, Juris Síntese nº 88 - MAR/ABR de 2011).

De fato, os artigos 197-A a 197-E definem um procedimento específico e detalhado para a inscrição de candidato ao cadastro de adotantes, por sua vez previsto no artigo 50, todos do ECA, falando, expressamente, em “petição inicial”.

Por definição, “petição inicial” é a peça processual que instaura o processo jurídico, levando ao Juiz-Estado os fatos constitutivos do direito, também chamados de causa de pedir, os fundamentos jurídicos e o pedido.

No dizer de Humberto Theodoro Júnior, "O veículo de manifestação formal da demanda é a petição inicial, que revela ao juiz a lide e contém o pedido da providência jurisdicional, frente ao réu, que o autor julga necessária para compor o litígio" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 22ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, vol I.).

Uma vez que a Lei passa a falar em “petição inicial”, há que se analisar se se trata de processo judicial ou procedimento administrativo, uma vez que, na primeira hipótese, há que se considerar os pressupostos processuais definidos em Lei, inclusive a necessidade de advogado para sua propositura.

No entendimento dos doutrinadores Paulo Hermano Soares Ribeiro e Vivian Cristina Maria Santos, em sua obra sobre a Nova Lei de Adoção “a participação do advogado é aconselhável, mas, neste procedimento, não será indispensável”. Já no entendimento da coautora da mesma obra, Ionete de Magalhães Souza, “o advogado é indispensável” (RIBEIRO. Paulo Hermano Soares. SANTOS. Vivian Cristina Maria. SOUZA. Ionete de Magalhães. NOVA LEI DE ADOÇÃO COMENTADA. Leme: J. H. Mizuno, 2010).
Já segundo Eunice Ferreira Rodrigues Granato “Ao falar o art. 197-A em ‘petição inicial’ dá a nítida impressão de que está se referindo a processo judicial quando, na verdade, é um mero procedimento administrativo. Leia-se, no lugar de petição inicial, requerimento.” (GRANATO. Eunice Ferreira Rodrigues. ADOÇÃO – DOUTRINA E PRÁTICA. Curitiba: Juruá, 2010).

A questão deve ser enfrentada.

Antes da Lei 12.010/2009 é evidente que a habilitação à adoção se tratava de procedimento administrativo, uma vez que o cadastramento sequer era obrigatório. Porém, considerando as novidades trazidas pela nova legislação, existe a dúvida, como demonstrado acima.

O atual procedimento tem o objetivo principal de avaliar a possibilidade da pessoa ou requerente educar adequadamente uma criança, fornecendo-lhe todo o sustentáculo necessário para um desenvolvimento completo, viabilizando sua adequada inserção na sociedade.

Ainda não foi concretizada a situação, mas apenas desejada pela parte autora, portanto o que se busca são informações a respeito de quem almeja adotar, para que se possa concluir sobre a possibilidade de ser deferido o pedido e, em um segundo momento, ser avaliada, concretamente, a adaptação da parte habilitada à criança a ser adotada.

A decisão a ser obtida também cria um direito para o requerente, uma vez que a habilitação é requisito essencial para adoção e sua data é fundamental (entre outros critérios) para a chamada “ordem de convocação” para adoção das crianças ou adolescentes disponíveis para tanto, ou seja, crianças ou adolescentes às quais devemos garantir o direito de convivência familiar.

Os requerentes à habilitação têm, portanto, perspectiva de conseguir o direito de adotar e o direito de ocupar um determinado lugar na ordem de convocação para a adoção. Em caso de indeferimento do pedido, estão impossibilitados de adotar. Em caso de demora no deferimento da habilitação, por motivos variados, terão prejudicada sua colocação na ordem de convocação.

Por outro lado, havendo menos pessoas capacitadas à adoção, menor será a possibilidade de se garantir o direito à convivência familiar de uma das crianças ou um dos adolescentes que necessite da colocação em família substituta através deste instituto.

Entendo que é preciso facilitar, de modo responsável, a adoção, mas evidentemente não se pode deixar de cumprir a Lei... e é mesmo útil a presença do advogado, no sentido de garantir o direito da parte requerente e, consequentemente, das crianças que precisam de família.

A advocacia, conforme expressa previsão constitucional do artigo 133, é "indispensável à administração da Justiça". Por isto mesmo, a capacidade postulatória é essencial à constituição e desenvolvimento válido do processo judicial, tornando-se em pressuposto processual subjetivo das partes, indispensável à prática de atos em juízo.

Levando em conta o objetivo da Lei da Adoção, em consonância com o princípio constitucional da proteção integral, especificamente a garantia do direito à convivência familiar; Considerando a preponderância do direito da criança e do adolescente; Considerando ainda que o procedimento tem natureza preparatória;...

Entendo que a presença do advogado para o requerimento de habilitação a adoção deve ser facultativa, porém aconselhável, e a parte requerente deve sempre ser expressamente esclarecida que, a qualquer momento, pode contar com o profissional de direito se assim o desejar.

Tal solução está de acordo com alguns dos doutrinadores acima citados (a maioria deles) e encontra respaldo prático nos procedimentos adotados em outras Comarcas, sem notícia de contestação até então, v.g., na Comarca de Belo Horizonte, como se observa do parágrafo único do artigo 3º, da Portaria VCIJ nº 1, de 19 de fevereiro de 2010, publicada no Diário do Judiciário Eletrônico do TJMG, da Vara da Infância e Juventude da Capital.

Assim sendo, entendo que a subscrição de advogado é desnecessária, mas aconselhável, à propositura do requerimento de habilitação ao cadastro de adoção.



3.2 – DOS DOCUMENTOS

Conforme o artigo 197-A, ECA, ao propor o requerimento a parte autora deve juntar as seguintes informações e documentos (artigo 197-A, ECA, acrescentado pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009):

“Art. 197-A. Os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil, apresentarão petição inicial na qual conste:

I- qualificação completa;
II - dados familiares;
III - cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável;
V - cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas;
V - comprovante de renda e domicílio;
VI - atestados de sanidade física e mental;
VII - certidão de antecedentes criminais;
VIII - certidão negativa de distribuição cível.”


3.3 – DA INTERVENÇÃO DA EQUIPE INTERPROFISSIONAL A SERVIÇO DA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

A intervenção da equipe técnica psicossocial é obrigatória, pelo mandamento do artigo 197-C, ECA, e via de regra é realizada a contento, verificando se a parte requerente apresenta condições psicossociais satisfatórias ao deferimento do cadastro para adoção.


3.4 – DA PARTICIPAÇÃO EM PROGRAMA DE PREPARAÇÃO OFERECIDO PELA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

Nos termos do §1º, do artigo 197-C, ECA:

“Art. 197-C. ...

§ 1º. é obrigatória a participação dos postulantes em programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, que inclua preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos.” (Artigo acrescentado pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)


Como visto, “esse programa tem a finalidade de propiciar preparação psicológica orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos... de fato é necessário criar uma cultura pela adoção. Não é possível que milhares de pessoas, desprovidas de recursos ou de maior sorte de terem famílias estruturadas, permaneçam aguardando por uma família. O acompanhamento técnico, nesse sentido, é muito bem vindo” (ROSSATO. Luciano Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010).

É sabido, através de todas as pesquisas da área, que a esmagadora maioria dos brasileiros que desejam adotar preferem crianças recém nascidas ou abaixo de 3 (três) anos idade, brancas, saudáveis e do sexo feminino. Tal preferência e registrada no momento em que a pessoa (ou casal) se cadastra como possível adotante, perante o Juízo de sua residência.

Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), até 2009, 80,7% das pessoas cadastradas para adoção desejam crianças com no máximo 3 anos de idade, entretanto, apenas 7% das crianças “disponíveis para adoção” se encontram nesta faixa etária.

Acima dos 10 anos de idade, então, a adoção mostra-se pouco provável e na adolescência (acima de 12 anos), menos provável ainda. No ano de 2008, em Belo Horizonte/MG, apenas uma adoção de criança acima de 10 anos foi efetivada (p. ex.).

Além disso, há que se considerar que as crianças em situação de risco, consideradas “disponíveis para adoção” ou com situação ainda indefinida, muitas vezes têm um ou vários irmãos, muitas vezes são portadoras de alguma deficiência física ou mental, podem ser portadoras de doenças e são de raças variadas. Apenas 33% das crianças cadastradas para adoção são brancas, mas de idades variadas.

Um dos grandes desafios do incentivo à adoção é vencer a barreira do preconceito, estampado nos ditos “perfis de adoção” e também escondidos no fundo da mente de cada um de nós.

Por mais óbvio que nos pareça, é bom que se diga que as crianças que estão em abrigos não são criminosos, mas vítimas. Elas foram abrigadas porque seus pais, por motivos variados, não lhes garantiram o mínimo necessário dos seus direitos.

As crianças abrigadas são, via de regra, vítimas de maus tratos, de abandono, de negligência... são vilipendiadas por pais irresponsáveis, alcoólatras, drogados, apáticos, ausentes... por vezes são usadas para mendicância, prostituição, tráfico de drogas... e em alguns casos são órfãos, sem familiares que os possam receber e criar – como diuturnamente observamos nos casos trazidos à Justiça da Infância e Juventude.

Assim sendo, não podemos enxergar tais crianças como marginais, mas como seres humanos que não tiveram a felicidade de nascer ou permanecer em uma família responsável. Elas são vítimas, não criminosos.

Aliás, ao contrário dos criminosos – que tem todo um sistema legal que obriga a comunicação de suas prisões e outras providências – as crianças abrigadas por vezes são esquecidas. Permanecem em abrigos, sem uma voz que se levante em seu favor. A prioridade constitucional, nestes casos, é ignorada.

A primeira coisa a se fazer é saber que elas existem. Conhecê-las e entendê-las como pessoas importantes e credores de direitos fundamentais e prioritários – inclusive conforme a Lei Máxima de nosso país.

Também devemos quebrar o entendimento existente, no sentido de que a pessoa que adota é o “benemérito”, é o “herói magnânimo” ou o “salvador” da criança abandonada ou abrigada, supostamente indesejável ou sem valor.

Quem adota o faz (ou deve fazer) por Amor... e o beneficiário do Amor é o que Ama. O pai ou mãe adotivo – ou do coração – é o grande agraciado com a companhia da pessoa adotada, a qual lhe proporcionará oportunidade para exercitar o afeto que tem dentro de si, preencher ainda mais sua vida, dar continuidade aos seus valores.

O que sempre se observa nas adoções bem sucedidas é que o adotante sempre ganha mais do que efetivamente proporciona à criança ou adolescente adotado, o qual, é claro, também ganha em todos os sentidos.

O animus da adoção deve ser esse: a afetividade, o Amor. Adoções movidas por outras intenções que não estas podem ser desastrosas: “modismo, vaidade, filantropia não são compatíveis com este encontro de almas” (BITTENCOURT. Sávio. MANUAL DO PAI ADOTIVO. Rio de Janeiro: 2008).

O verdadeiro pai ou mãe é o que cria. Esse entendimento popular é uma verdade verificada e testada a casa dia.

Aquele que busca se enxergar fisicamente no filho na verdade só ama a si próprio. Por vezes as pessoas buscam adotar uma criança fisicamente semelhante a sua própria raça ou características físicas. Por outras tantas vezes buscam a adoção somente para suprir uma eventual ausência de filhos. Escondem o fato do próprio adotado.

Adoção deve vir com honestidade e verdade – até porque tudo deve ser assim! Mas neste caso a revelação é ainda mais importante, porque prova que o adotado é filho do adotante, não somente por conseqüências naturais, mas por uma escolha consciente.

O relacionamento familiar é preponderante na formação de uma pessoa. Muitas pessoas tem reservas em adotar uma criança, acreditando em um “determinismo biológico”, ou seja, pensando que se a criança foi filha de uma pessoa de maus hábitos ou de um criminoso poderá herdar geneticamente essas características nocivas.

Sem se negar o valor da genética, entendo que tal crença, que não é científica, esconde um preconceito injusto, uma vez que nega a preponderância relacionamento familiar na formação de uma pessoa.

Muito mais importante do que suas características genéticas é a família em que a criança passa a viver. Através dela, dos ensinamentos e do exemplo, é que se forma a personalidade da pessoa.

Além disso, são inúmeros os casos de pessoas boas que tem filhos criminosos, assim como são muitos os casos de pessoas que são filhos de criminosos e se tornam excelentes cidadãos.

Também há que se considerar que não existe “herança genética” perfeita. Todas as famílias têm pessoas boas e ruins, geneticamente falando. Não é a circunstância biológica que nos livrará ou nos imporá este fator, mas o amor – e o cuidado que a ele é inerente – com que a pessoa é tratada.

O ser humano não é somente animal. É, primordialmente, alma e intelecto, segmentos preponderantes que nos destacam da animalidade pura. Mais importante que o estigma genético é o “DNA da alma”, citando mais uma vez Sávio Bittencourt (Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro), em sua obra acima referida.

Assim, identificamos o preconceito como um dos maiores desafios para a garantia dos direitos da criança e do adolescente, especialmente o direito de convivência familiar.

Uma das mais eficientes armas para vencer tal desafio é justamente o esclarecimento determinado pela Lei, especialmente no §1º do artigo 197-C, ECA, que visa proporcionar a verdadeira mudança positiva na chamada “cultura de adoção”, para por fim aos preconceitos de idade, raça ou situação física da criança a ser adotada.

Outro dispositivo que visa estimular a adoção como forma de garantia do direito à convivência familiar aos mais carentes é o §2º, do artigo 197-C, ECA, que trata exatamente do combate aos preconceitos através de uma das mais poderosas forças contidas na alma do ser humano: a afetividade, a ser despertada pelo contato pessoal.

Diz o velho e verdadeiro ditado “o que os olhos não vêem o coração não sente”.

Por isso mesmo o citado preceito legal visa proporcionar o contato entre o possível adotante e as crianças e adolescentes em condição de serem adotadas, ficando claro que tal contato deve acontecer de forma cautelosa, que não venha a revitimizar a pessoa em desenvolvimento credora do direito à convivência familiar com falsas esperanças.

“Art. 197-C.
...
§ 2º. Sempre que possível e recomendável, a etapa obrigatória da preparação referida no § 1º deste artigo incluirá o contato com crianças e adolescentes em regime de acolhimento familiar ou institucional em condições de serem adotados, a ser realizado sob a orientação, supervisão e avaliação da equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, com o apoio dos técnicos responsáveis pelo programa de acolhimento familiar ou institucional e pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. (Artigo acrescentado pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

Conforme a moderna doutrina:

“Inclui-se ainda durante a preparação para habilitação, o contato dos pretendentes com crianças e adolescentes que se encontrem sob programa de acolhimento familiar ou institucional e que estejam em condições de ser adotados. Tal providência tem o intuito de despertar, nos pretendentes, ainda mais o interesse pela adoção, bem como de promover, desde já, um contato inicial entre os interessados e crianças e adolescentes” (ROSSATO. Luciano Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010).

Embora já este RMP já tenha expressado em diversas oportunidades suas críticas à respeito da “Nova Lei de Adoção” (Lei 12.010/2009), inclusive antes mesmo de sua edição (quando ainda tramitava no Congresso Nacional), entendo que uma das partes úteis e boas do referido diploma é justamente a que ora é comentada e que visa o combate aos preconceitos relativos à adoção.

Dito isso, fica registrada a importância da realização das referidas diligências, ou seja, a participação do pretendente no programa de preparação para adoção, com informações que combatam o preconceito, com freqüência obrigatória mínima certificada e incluindo o contato com crianças e adolescentes em condições de serem adotados (esse último, caso seja possível e recomendável).

Na oportunidade congratulo todos os profissionais da Vara da Infância e Juventude de Divinópolis, especialmente do setor psicossocial, pela vanguarda na realização do curso preparatório para adoção. Embora ainda não formatado de modo ideal, sabemos que nossa Comarca é pioneira na efetivação deste requisito legal.

Por meio das observações e sugestões ora e adiante apresentadas, pretendemos também contribuir para o aperfeiçoamento do procedimento e, acima de tudo, para a efetivação do direito à convivência familiar para todas as crianças e adolescentes.

Também por este motivo, considerando os artigos 200 a 205 do ECA (bem como as razões acima explicitadas) é necessária a fiscalização do Ministério Público no cumprimento da mesma diligência.

Por outro lado, para que seja possível a fiscalização, e também para que se cumpra o artigo 197-D, ECA, ou seja, para que se obtenha a certidão de “conclusão da participação no programa referido no art. 197-C”, entendo que é necessário que o referido programa seja regulamentado, não bastando a simples afirmação de que houve comparecimento ao “grupo preparatório” ou de que foi obtida a “freqüência obrigatória de 80%” (v. g.).

A esse propósito anoto que a Comarca do Rio de Janeiro (Capital do Estado do Rio de Janeiro), teve regulamentado o referido programa através de Portaria.

Na Comarca de Belo Horizonte (nossa capital de Minas Gerais), o procedimento para a habilitação para adoção também já foi regulamentado através da bem elaborada Portaria VCIJ nº 1, de 19 de fevereiro de 2010, publicada no Diário do Judiciário Eletrônico do TJMG (que pode ser usada como modelo, embora possa ser melhorada, como todo o respeito à iniciativa e ao excelente trabalho de seu autor).

Entendo que é necessária a regulamentação do procedimento de habilitação à adoção, a qual deve estabelecer, no mínimo:


•    Os critérios de acesso ao programa – que afetam a ordem de deferimento e, portanto, também a ordem de convocação para adoção, ainda mais considerando que “a alimentação do cadastro e a convocação criteriosa dos postulantes à adoção serão fiscalizadas pelo Ministério Público” (artigo 50, §12, ECA)

•    A programação do curso – já que esta deve obrigatoriamente incluir “preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos” (artigo 197-C, §1º, ECA);

•    Frequência obrigatória mínima, bem como os meios de sua aferição – uma vez que há necessidade de expedição, ao final, de certificado de conclusão e participação no programa (artigo 197-D, ECA);

•    Os meios de efetivação do contato com crianças e adolescentes – para que se garanta a preservação da integridade psicológica das pessoas em desenvolvimento e para que se proporcione a obrigatória fiscalização do Ministério Público (artigo 197-D, §2º, ECA);

•    Certificação e data de sua validade – por todos os motivos acima informados e baseado em todos os artigos acima referidos.

Ficam registradas, assim, as sugestões do Ministério Público para aperfeiçoamento do sistema, embasadas no texto legal, obviamente.


4.    DO ESGOTAMENTO DA POSSIBILIDADE DE PERMANÊNCIA DO ADOTANDO EM SUA FAMÍLIA NATURAL OU EXTENSA

Objetivando a garantia do direito à família e o princípio do “superior interesse da criança e do adolescente”, firmados ao longo de toda a legislação, a começar pela Carta Magna, e especialmente com o advento da “Nova Lei de Adoção” (Lei 12.010/2009), o ECA determina, em seu artigo 39, §1º, que devem ser esgotadas as possibilidades de permanência do adotando em sua família natural, ou seja, “a comunidade formada pelos pais, qualquer deles e seus descendentes”, ou família extensa ou ampliada, entendida como sendo “aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive ou mantém vínculo de afinidade e afetividade” (artigo 25, ECA).

Nesse ponto, desde o seu nascedouro critico a Lei 12.010/2009, fazendo minhas as palavras da moderna doutrina respectiva:

“Aos que pensavam que o novo diploma legal viria para facilitar a adoção e diminuir o número de crianças que permanecem acolhidas pelo Estado em instituições disciplinadas pelo Estatuto, restou conformarem seus pensamentos a uma lógica que torna ainda mais rigoroso o procedimento para adoção, e mais: reserva à colocação de criança e adolescente em família substituta adotiva, a última alternativa dentre as políticas públicas voltadas para o atendimento de seus interesses. Em verdade o novel diploma tem como primeiro objetivo a manutenção da criança e do adolescente junto a sua família natural (formada pelos pais e irmãos), para tanto elabora regras que consigam atingir esse mister, tais como aquelas que disciplinam os programas de acolhimento às famílias naturais (§3º do art. 19 do Estatuto).” (ROSSATO. Luciano Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010)

De qualquer modo, por imperativo legal e para regularidade da medida, devem mesmo ser esgotadas as possibilidades de permanência do adotando em sua família natural ou família extensa ou ampliada, e, para tanto devem ser – no mínimo – examinadas as tais possibilidades antes do deferimento da adoção.

Por isso mesmo (além de outros motivos já ressaltados) é que, antes de se entregar qualquer criança a um casal por meio de “guarda para fins de adoção”, deve haver análise e descarte (se for o caso) da possibilidade acima comentada – para garantia dos direitos da criança e dos possíveis adotantes.

Assim sendo, entendo que sempre é necessária a realização diligências no sentido de verificar a possibilidade de manutenção da criança na família natural ou extensa (artigo 39, §1º, ECA), as quais podem constar do estudo psicossocial do processo.


5.    DOS GRUPOS DE IRMÃOS

Ainda visando a garantia do direito à família e o princípio do “superior interesse da criança e do adolescente”, firmados ao longo de toda a legislação, a começar pela Carta Magna, o ECA estabelece que os grupos de irmãos não devem ser separados por ocasião da colocação em família substitua (artigo 28, §4º, ECA):

“Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.
...
§ 4º Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)”

Como se pode observar, existem exceções para a adoção de grupos de irmãos, mas, em todos os casos, deve-se evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternos.

As exceções ocorrem em duas a hipóteses:

a.    “comprovada existência de risco de abuso” (que demanda, pois, prova da situação);

b.    “outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa” (que deve ser especificada, provada e julgada, diante do princípio do “superior interesse da criança e do adolescente”).

Diante do mandamento legal, também está sempre presente a necessidade de que os requerentes informem e o estudo psicossocial verifique a existência de irmãos da pessoa que se quer adotar e, havendo, seja apresentada e provada alguma das hipóteses em que a Lei permite a descontinuidade do grupo fraterno, bem como as providências adotadas para a manutenção do vínculo fraternal, para oportuna análise.


6.    DO DIREITO À PATERNIDADE CIENTÍFICA OU BIOLÓGICA – DO DIREITO AO CONHECIMENTO DA ASCENDÊNCIA GENÉTICA

A Lei 12.010/2009, chamada “Nova Lei da Adoção”, de cuja a discussão junto ao Congresso Nacional este RMP teve a honra de participar (e criticar em diversos pontos, como visto acima), consagrou (entre diversas modificações) o direito à paternidade científica ou biológica, a ser exercido pelo adotado.

O novo artigo 48 do ECA traz a idéia de que o fato de a adoção ser irrevogável não interfere no direito de o filho adotado conhecer sua origem biológica.  Positiva-se, pois o direito constitucional à identidade:

“Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos.

Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica. (NR) (Redação dada ao artigo pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

É evidente, e a cada dia ainda mais clara, a necessidade de se conhecer o parentesco biológico, especialmente em face do desenvolvimento da engenharia genética, da biotecnologia e da possibilidade da futura necessidade de transplantes de órgãos – alguns dos quais somente podem ser efetivados diante de compatibilidade genética, verificada em parentes biológicos. (DINIZ. Maria Helena. O ESTADO ATUAL DO BIODIREITO. São Paulo: Saraiva, 2008).

Além disso existe a necessidade de se evitar a possibilidade de futuros casamentos consangüíneos, talvez remota, mas não desprezível.

Por isso mesmo o direito ao conhecimento da origem biológico/genética própria, atrelado ao direito à vida, saúde e dignidade humana, é assegurado no ECA.

“Note-se que o dispositivo faz referência a situações diferentes. A primeira, em que o adotado poderá requerer a declaração de sua ascendência genética, por meio da respectiva ação (direito à paternidade científica); e a segunda, em que o adotado terá direito a obter informações a partir do acesso ao processo (direito ao conhecimento da ascendência genética).
...
A questão que vem a lume é: se a pessoa em desenvolvimento já tem pais adotivos, e o vínculo da adoção é definitivo, qual seria a função da investigatória de ascendência genética? Ora, trata-se de um direito da personalidade, que traz ínsita a possibilidade de conhecimento da origem da criança ou adolescente. Ademais, referido reconhecimento repercute, por exemplo, nos impedimentos matrimoniais que permanecem em relação à família natural mesmo após a adoção por família substituta.” (ROSSATO. Luciano Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010)

250200005574 – INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – ADOÇÃO – IDENTIDADE PESSOAL – POSSIBILIDADE – "Investigação de paternidade [art. 1.604 do CC]. Possibilidade de o sujeito, mesmo tendo sido adotado, pesquisar o vínculo genético, que é indispensável para garantia do direito à identidade pessoal e de conhecimento de sua ascendência biológica, valores de dignidade humana [art. 1º, III, da CF]. Provimento para que se realize o exame DNA." (TJSP – AC 582.808-4/8 – 4ª CDPriv. – Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani – J. 19.02.2009)RDC+59+2009+MAI–JUN+205v89

132031203 – INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS – AUTORA ADOTADA QUANDO CRIANÇA – ECA – Mesmo tendo sido a autora adotada e não anulada a adoção, permanece o interesse de investigar a paternidade, fato de relevância inclusive para a determinação dos impedimentos matrimoniais, mas não tem direito de, contra o pai biológico, pleitear alimentos. (TJDFT – APC 20000110805214 – DF – 2ª T.Cív. – Relª Desª Carmelita Brasil – DJU 19.11.2003 – p. 35)

116762 JECA.48 JECA.27 – ADOÇÃO – INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – POSSIBILIDADE – Admitir-se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração, ao disposto no art. 48 da Lei nº 8.069/90. A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda, respeitável necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros pais. Inexistência, em nosso direito, de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no art. 27 do ECA. (STJ – REsp 127.541 – (1997/0025451-8) – RS – 3ª T. – Rel. Min. Eduardo Ribeiro – DJU 28.08.2000)

O ideal é que a certidão de nascimento originária da pessoa que se quer adotar conste completa dos autos e, após o deferimento da adoção, seja preservada para os fins colimados no artigo acima citado.

Por outro lado, quando a certidão de nascimento da pessoa que se quer adotar está incompleta, via de regra faltando o nome do genitor biológico, é preciso que sejam tomadas providências no sentido de sua regularização.

É bem verdade que registros incompletos são comuns em nosso país... mas tal situação precisa ser mudada. Para tanto foi editada a Lei 8.560, de 29/12/1992, expressamente referida no artigo 102, §§ 3º e 4º, ECA, acrescentado justamente pela Lei nº 12.010, de 03/08/2009 (a “Nova Lei de Adoção”).

“Art. 102. As medidas de proteção de que trata este Capítulo serão acompanhadas da regularização do registro civil.

§ 1º. Verificada a inexistência de registro anterior, o assento de nascimento da criança ou adolescente será feito à vista dos elementos disponíveis, mediante requisição da autoridade judiciária.

§ 2º. Os registros e certidões necessárias à regularização de que trata este artigo são isentos de multas, custas e emolumentos, gozando de absoluta prioridade.

§ 3º Caso ainda não definida a paternidade, será deflagrado procedimento específico destinado à sua averiguação, conforme previsto pela Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 4º Nas hipóteses previstas no § 3º deste artigo, é dispensável o ajuizamento de ação de investigação de paternidade pelo Ministério Público se, após o não comparecimento ou a recusa do suposto pai em assumir a paternidade a ele atribuída, a criança for encaminhada para adoção. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)”

Como se observa, o pai biológico deve ser sempre indicado para ser ouvido e, somente se este não comparecer ou houver recusa em assumir a paternidade, e a criança for encaminhada para a adoção, é que o MP fica dispensado de ajuizar a investigação de paternidade.

Assim sendo temos as seguinte hipóteses:

a.    O suposto pai biológico indicado não compareceu (ficando dispensada a investigação – artigo 102, §4º, ECA);

b.    O suposto pai biológico indicado compareceu e não assumiu a paternidade (também ficando dispensada a investigação – artigo 102, §4º, ECA);

ou

c.    O suposto pai biológico indicado comparece e assume a paternidade (havendo necessidade de indagação sobre a renúncia ao poder familiar ou deve ser verificada a possibilidade de destituição deste).

Caso a genitora insista em não declarar a paternidade, mesmo em oitiva regular, diante dos esclarecimentos do Promotor e do Juiz, entendo que fica impossibilitada (ao menos no momento) a investigação de paternidade, por imperativo lógico. Permanecendo o registro incompleto.


7.    CONCLUSÃO

Havendo o cumprimento dos requisitos legais necessários e, especialmente, ficando claro que a medida atende aos interesses da criança ou adolescente que se quer adotar, o pedido de adoção deve ser julgado procedente, com observação do disposto no artigo 47 do ECA, relativo ao Registro Civil, o qual deverá ser modificado nos termos que tenham sido requeridos na peça inicial.

“Art. 47. O vínculo da adoção constituiu-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.

§ 1º. A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes.

§ 2º. O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original do adotado.

§ 3º A pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do Município de sua residência. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 4º Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 5º A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 6º. Caso a modificação de prenome seja requerida pelo adotante, é obrigatória a oitiva do adotando, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 28 desta Lei. (Redação dada ao parágrafo alterado pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 7º A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva, exceto na hipótese prevista no § 6º do art. 42 desta Lei, caso em que terá força retroativa à data do óbito. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)

§ 8º O processo relativo à adoção assim como outros a ele relacionados serão mantidos em arquivo, admitindo-se seu armazenamento em microfilme ou por outros meios, garantida a sua conservação para consulta a qualquer tempo. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 12.010, de 03.08.2009, DOU 04.08.2009)”

As observações aqui registradas têm o objetivo de contribuir na realização da nova sistemática legal referente à adoção. Evidente que não são definitivas, mas somente opiniões de um Promotor de Justiça que deseja, com todas as forças, que a “prioridade absoluta” aos direitos da criança e do adolescente, inscrita no artigo 227 da Carta Magna, deixe de ser uma simples meta e se torne realidade.

Democraticamente trabalhemos a Lei, sem jamais perder de vista o objetivo final a Justiça, especialmente para cada criança do nosso país. Que todos tenham, de fato, direito ao amor de uma família.

Divinópolis, 17 de fevereiro de 2012.


Carlos José e Silva Fortes
Promotor de Justiça

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Comentário de Desaparecidos do Brasil em 22 fevereiro 2012 às 12:31

  

Com o seu conhecimento e contatos,  poderia nos ajudar a ajudar estes jovens? São centenas deles, eles foram enviados ainda bebês para Israel, Alemanha, França, Holanda. Estados Unidos, via tráfico humano e adoção ilegal.  Hoje, já adultos, eles querem saber da sua história biológica ( que lhes é garantido pela nossa Constituição) e depois de muitas tentativas FRUSTRADAS junto ao Governo Brasileiro, Secretaria Especial dos Direitos Humanos - SEDH, da Presidência da República e Embaixadas, chegaram (a dois anos atrás)  até  nosso grupo de voluntárias mas  até o momento só conseguimos, depois de  exaustivas pesquisas, localizar duas mães, no interior de SP e SC.

Temos encontrado muitas dificuldades para ajudá-los e apesar da responsablidade do governo brasileiro   não conseguimos apoio de nenhum Órgão Oficial.  Já tentamos  contato junto aos Direitos Humanos, Embaixadas, Secretarias do Governo, Sicride (PR)  CEJA, e outros, porém infelizmente, nenhum se dispôs a assumir o problema efetivamente.

 

Comentário de Carlos José e Silva Fortes em 22 fevereiro 2012 às 7:03
Nesse caso será necessária uma ação judicial de investigação de paternidade e maternidade, dentro da qual poderá ser realizado o exame de DNA, com a concordância das pessoas examinadas ( o exame de DNA não pode se obrigatório ), bem como poderão ser produzidas toda as provas legais ( testemunha, documentos, etc. ). O exame de DNA pode ser realizado gratuitamente, para as pessoas pobres, por ordem judicial, mas geralmente demora muito mais.
Comentário de Desaparecidos do Brasil em 20 fevereiro 2012 às 18:45

 

Prezado Promotor,

E quando um adotado deseja conhecer sua história e família biológica (garantido por Lei) porém seus documentos de adoção  estiverem irregulares, com dados incompletos; ele for vítima do tráfico humano dos anos 80/90 e levado ao exterior ainda bebê, como essa pessoa deve proceder para obter informações sobre sua mãe biológica ? 

No caso desse adotado, nas condições acima, vir a localizar a mãe biológica, a Lei garante um exame de DNA para confirmação do parentesco? Como obter essa ajuda?

 

Agradeço sua atenção e fico no aguardo  de sua preciosa resposta. 

Amanda IAB

contato@desaparecidosdobrasil.org

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