O enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes também deve estar atento ao desenvolvimento da sexualidade
Pouco Pouco consenso e muita polêmica marcam a discussão sobre os direitos sexuais de crianças e adolescentes. Questões como a inclusão de educação sexual nas escolas, a distribuição de preservativos, a privacidade de garotos e garotas em consultas médicas e a idade mínima em que a relação sexual deve ou não ser considerada uma agressão costumam gerar divergências em diversos países.Toda essa controvérsia não deixa de estar presente quando o foco é o enfrentamento da violência sexual. Nota-se uma tendência a desconsiderar o direito de meninos e meninas ao livre exercício da sexualidade, além de uma freqüente influência de fatores morais, culturais e legais. “Crianças e adolescentes acabam sendo tratados como se fossem assexuados. No afã de protegê-los contra uma agressão sexual, a sociedade pode esquecer que, além de serem sujeitos de direito, são também sujeitos com desejos”, afirma a socióloga e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Mary Castro, que participou do estudo “Juventudes e Sexualidade”, desenvolvido pelo Escritório da Unesco no Brasil.
Ignorar a existência da sexualidade na vida de crianças e adolescentes pode ser, inclusive, um obstáculo para o debate sobre a idade mínima em que o sexo pode ser permitido. Castro questiona se um limite etário rígido – como a idade de 14 anos, no caso do Brasil – é a maneira mais adequada de tratar a questão. Para ela, é preciso considerar uma realidade em que é cada vez mais comum que meninas e meninos de 13 anos, por exemplo, se relacionem afetivamente com outros adolescentes, podendo inclusive consentir uma relação sexual. Debater
mudanças na lei não é, contudo, o único caminho para se avançar no debate sobre o consentimento sexual. Além disso, é preciso garantir que a análise de processos judiciais que envolvem sexo entre adolescentes considere os contextos em que as relações ocorrem. “Nesses casos, é importante saber se há ou não envolvimento afetivo e se houve violência”, defende a juíza Brigitte Remor, membro da diretoria da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores
de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP).
Mudança de paradigma
De acordo com Remor, um trabalho pela promoção dos direitos será bastante enriquecido se aqueles que formulam e aplicam as leis ouvirem o que os próprios adolescentes têm a dizer sobre o assunto. Na mesma linha, a socióloga Mary Castro afirma que estabelecer esse diálogo com a juventude convergiria com a natural busca de garotos e garotas pelo reconhecimento de sua individualidade. “Quem trabalha diretamente com adolescentes percebe a busca deles por autonomia, principalmente na área da sexualidade, uma das mais importantes para a
constituição de sua identidade”, explica.
A pesquisadora salienta, no entanto, que a promoção dessa maior participação e autonomia deve ser acompanhada pela garantia de um mínimo de privacidade no exercício da vida sexual. “Principalmente nas culturas mediterrâneas, há uma confusão entre a importância da família em termos de vínculo afetivo, com sua onipotência em todas as outras dimensões. E a sexualidade é uma das áreas em que o jovem pede mais afastamento da família”. Para Castro, a privacidade em consultas médicas é um dos direitos que devem ser conquistados para a proteção da intimidade dos adolescentes.
Nessa perspectiva, a proteção da infância abandona o paradigma dos bons costumes para
assumir uma maior valorização da livre escolha e do desenvolvimento saudável da sexualidade. Tal posição não negaria, contudo, a importância de se dar cuidados especiais a crianças e adolescentes. “A proteção é especialmente primordial para crianças mais novas, sendo substituída gradualmente pelo empoderamento”, explica Renate Winter, ex-presidente da Associação Internacional dos Magistrados da Juventude e da Família e ex-juíza da Corte Especial da ONU para Serra Leoa.
Educação sexual
Uma das formas de os Estados contribuírem para o desenvolvimento responsável e saudável da sexualidade é por meio da inclusão desse tema nos conteúdos trabalhados pelos sistemas educacionais. “Não serve de nada que as crianças tenham direitos sexuais se elas não sabem o que isso significa e quais são as consequências desses direitos”, enfatiza Winter. Para
isso, é preciso desconstruir algumas ideias simplificadoras acerca do significado de discutir sexualidade na escola, como explica a sociológica Mary Castro: “a educação sexual deve preparar para um sexo que não traga conseqüências negativas em todos os sentidos. É preciso entender que o último elemento que entra no sexo é a genitalidade. Não é só ensinar a usar preservativo e anticoncepcional, mas também falar sobre o desejo, a afetividade, os símbolos e o sentimento de agradar”. Ao
possibilitar, dessa forma, uma relação mais consciente e amadurecida com a
própria sexualidade a educação sexual contribui também para que garotos e garotas estejam menos vulneráveis à violência sexual. “É importante, por exemplo, que as crianças saibam que podem dizer ‘não’ a avanços de adultos ou de outras crianças mais velhas”, afirma Winter. Segundo
a magistrada, políticas para a promoção dos direitos sexuais devem prever o caso
de famílias que, com base em preceitos morais, não aceitem que seus filhos participem de discussões sobre sexualidade. Quando isso ocorrer, deve-se trabalhar com os pais, oferecendo incentivos para que eles também participem de momentos de debate sobre o assunto.
No caso brasileiro, os Conselhos Tutelares são os órgãos responsáveis por receber e encaminhar à justiça denúncias de violação aos direitos de crianças e adolescentes. Para a coordenadora do Fórum Colegiado Nacional de Conselheiros Tutelares, Sidneia Santos, é fundamental investir em formação para que os conselhos se envolvam cada vez mais com o debate sobre os direitos sexuais. “O início da vida sexual é um assunto polêmico, mas a sociedade tem de estar aberta ao diálogo. Esse é, inclusive, um dos temas a serem trabalhados no 5º Congresso Nacional dos Conselheiros Tutelares, que vai acontecer em novembro”, afirma.
Leia Também:
Conheça os Guias de Orientação Técnica Internacional em Educação Sexual produzidos pela Unesco e disponíveis em inglês no site da organização. Leia
o estudo Juventudes e
Sexualidade publicado em português pelo escritório da Unesco no Brasil.
Está disponível no site do Centro de Pesquisa Innocenti, do Unicef, uma publicação sobre abuso e exploração sexual de meninos no sul da Ásia. Apesar da escassez de informações e estudos sobre o tema, o documento reconhece a importância do problema na região e faz um panorama das pesquisas, legislações, políticas públicas e programas de enfrentamento. Idealizado pelo Unicef, o Centro de Pesquisa Innocenti, funciona em Florência, Itália, desde 1988, com o objetivo de fortalecer o trabalho de pesquisa dentro instituição e gerar conhecimentos capazes de orientar a formulação de políticas públicas direcionadas a crianças e adolescentes.
Adicionado por Carlos José e Silva Fortes
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