Fernanda Roque da Silva ainda não recebeu nenhum presente
O mundo se arma contra o avanço da pornografia infantil, da exploração, da violência e do abuso sexual de crianças e a Igreja, que deveria liderar essa caminhada, prefere dançar hits gospel em outras marchas. Esta é a tese do vereador Carlos Bezerra Jr., do PSDB de São Paulo, reeleito para o terceiro mandato como o parlamentar evangélico mais votado do Brasil. Pastor da Comunidade da Graça, médico ginecologista com ampla experiência em hospitais da periferia da capital paulista, Bezerra Jr. é autor da lei que criou o Programa Municipal de Combate ao Abuso Sexual de Crianças, que está treinando funcionários de escolas e creches para identificar e denunciar a violência infantil. Ele representou a Câmara Municipal de São Paulo no 3° Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, realizado no Rio de Janeiro há poucas semanas. No evento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma das mais duras leis contra a pornografia infantil do país, criminalizando quem armazena no computador imagens do gênero. Discute-se até mesmo negar o visto de entrada a quem é processado por crimes de pedofilia, para coibir o turismo sexual no Brasil. Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida à Igreja:
Quais foram as principais conclusões do congresso?
Foram muitas. Uma das principais foi a de que o perfil de quem é explorado é cada vez mais jovem. A segunda foi a de que as várias formas de exploração da criança estão conectadas. Por exemplo: a pornografia, a prostituição infantil e o turismo sexual funcionam interligados, na verdade, são redes internacionais que usam mecanismos dos mais diversos. Por isso, a dificuldade em combater esse crime, pelo nível de investigação que esse enfrentamento envolve. A exploração infantil é alimentada por vários movimentos, um deles é a indústria do sexo, o outro, as grandes crises humanitárias, e, por fim, o consumismo e a desagregação familiar. Muitas vezes, esses fatores até se misturam, como no caso das famílias que se desagregam por causa das grandes crises humanitárias. Na África, a morte em massa de pais em decorrência da epidemia da AIDS leva a isso. E, assim, as crianças ficam mais vulneráveis à violência e à exploração. Porém, no congresso, o principal consenso foi, na verdade, o de que a violência contra a criança está aumentando no mundo, que as redes de exploração estão mais complexas e que o combate a elas também implica na criação de leis ainda mais complexas.
De que forma funcionam essas redes de exploração e como elas prosperam?
Falar sobre sexualidade ainda é tabu. O silêncio da família, da sociedade, dos órgãos públicos, favorece muito os mecanismos de organização das redes. Por exemplo, eles avançaram demais na internet nos últimos anos, na área de tráfico internacional de pessoas, que é conectada com a prostituição infantil, que é conectada com distribuição de pornografia infantil na internet. Só para se ter uma idéia, uma imagem de pornografia infantil chega a custar US$ 1.000. Tudo isso compõe uma rede extremamente complexa de detectar e desbaratar. Primeiro, porque está presente em muitos países, segundo, porque há muito dinheiro envolvido. O principal inimigo do combate à prostituição infantil, hoje, é a corrupção, porque há magistrados envolvidos, políticos, gente poderosa, enfim, interesses econômicos de grandes empresários nisso.
Como foi a participação dos evangélicos no congresso?
Muito tímida. Claro, foi possível ver a contribuição de organizações que nos trazem muito orgulho, como a Visão Mundial, que faz um trabalho pioneiro no Brasil e que é hoje a organização evangélica que mais cuida de crianças no mundo. Houve também a presença de outras organizações evangélicas menores, mas, lamentavelmente, a participação evangélica foi muito tímida.
Por que você acha que isso ocorre?
Para mim, se deve à pouca importância que a Igreja dá ao tema e isso ocorre por dois motivos. Primeiro, falar de sexo na igreja é duas vezes mais tabu do que na sociedade. Ninguém quer falar sobre isso. Por outro lado, há em nosso meio um discurso ultra moralista, que eu não consigo entender. Eu vejo grandes movimentos, grandes marchas, manifestações públicas até no Congresso Nacional, sobre temas sexuais e morais, como a oposição ao casamento gay, empenho que não enxergo em nenhuma outra área na Igreja. Muitos irmãos se escandalizam tanto com as mulheres nuas nos outdoors das grandes cidades, coisa que não há mais em São Paulo por causa da Lei Cidade Limpa, graças a Deus, mas não se escandalizam com as crianças nos semáforos, exploradas e abusadas sexualmente. O tema da violência infantil está fora da pauta da Igreja, fora da lista de assuntos que a interessa.
Por quê?
Porque é um assunto incômodo e porque parte do movimento evangélico tem se distanciado dos fundamentos da mensagem de Jesus, que tem uma preocupação clara com as crianças, com as mulheres, com os grupos mais vulneráveis da sociedade. Ainda nos falta percepção profética, falta compromisso espiritual com o combate às injustiças de uma sociedade que transforma crianças em bens de consumo.
Você não acha que a despreocupação dos evangélicos em relação ao tema se deve à percepção de que os episódios de violência infantil entre cristãos são raros?
Percepção completamente equivocada, frise-se. Vários estudos apontam que a incidência de violência e abuso doméstico entre evangélicos e não-evangélicos, lamentavelmente, são muito parecidas.
Como a igreja poderia atuar nesse campo?
De várias formas. Os professores das nossas escolinhas dominicais poderiam ser sensibilizados quanto ao tema. Poderíamos fazer as mesmas grandes manifestações públicas, as marchas, que geralmente fazemos, mas, dessa vez, com um propósito mais claro, mais contundente. Nossas bancadas evangélicas, por exemplo, poderiam mudar a sua agenda, a sua pauta, hoje basicamente uma pauta moralista. Poderíamos unir todas as bancadas evangélicas do País em torno da proteção à criança. Poderíamos treinar todos os pastores do Brasil para identificar sinais de abuso na criança e nas famílias, para que eles também soubessem como denunciar, como tratar o caso. Isso poderia ser feito em seminários, mas também em todas as igrejas, num grande programa de capacitação. A Visão Mundial está habilitada para isso. Às vezes, acho que falta tirar a trave dos olhos para perceber que estamos em um país em que uma criança é abusada a cada 8 minutos, segundo a Secretária Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Porém, mais do que tudo isso, precisamos falar no assunto, falar e falar e falar... Dizer, sobretudo, que Deus repudia também a nossa omissão.
Como está o programa que você criou em São Paulo?
Está funcionando há alguns meses. É ainda um programa piloto que vem sendo desenvolvido com os servidores da Secretaria da Educação. A parceria com a WCF, uma organização fundada pela rainha da Suécia, está possibilitando a capacitação de educadores para reconhecer sinais de abuso nas crianças matriculadas na rede municipal de ensino. Vamos fazer uma grande análise no próximo ano de tudo o que foi feito até agora, sobre quantos servidores foram treinados e quais os impactos desse treinamento nas denúncias e na identificação dos casos de violência contra a criança.
Você planeja criar outras leis a exemplo da que criou o programa?
Sim, comecei a estudar a fundo a pedofilia na internet e a construir uma proposta de enfrentamento a essa prática na cidade de São Paulo. Um dos focos da legislação são as lan houses. Muitas pessoas que consomem pornografia infantil não fazem isso em casa, por temerem ser descobertas. Como identificar esse usuário? Estudamos uma série de medidas para que essas pessoas se identifiquem, para que o proprietário da lan house seja responsabilizado caso houver acesso a essas imagens dentro do seu estabelecimento. Penso em propor uma medida parecida com a que foi adotada na Venezuela, de disponibilizar um descanso de tela para os computadores das lan houses, alertando sobre exploração sexual na internet, pedofilia e abuso.
Postado em 5 outubro 2012 às 13:22
Adicionado por Carlos José e Silva Fortes
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