A criança tem o direito de formular seus próprios juízos e o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados a ela" e que os Estados Partes proporcionarão a ela "em particular, a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma, quer diretamente, quer por intermédio de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais de legislação nacional" (artigo 12 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança)


Introdução
O depoimento à justiça de crianças e adolescente vítimas de violência sexual
apresenta-se, muitas vezes, como uma forma de revitimização. Isto acontece
porque essas crianças são expostas ao contato do agressor, que com frequência,
é uma pessoa próxima ou pertencente à sua família. Nas audiências devem prestar
depoimentos inúmeras vezes ao longo do processo judicial. São depoimentos à
autoridade judicial, Conselho Tutelar, Ministério Público, Defensor Público,
Delegacia especializada, Instituto Médico Legal, entre outros. Existem várias
pesquisas demonstrando que esta exposição contínua acaba revitimizando a
criança e o adolescente, expondo-as a um intenso desgaste emocional. Para
amenizar este ciclo considerado revitimizador, idealizou-se o Depoimento sem
Dano , que busca limitar o depoimento da criança e adolescente a uma única
entrevista. O depoimento teria como objetivo a coleta antecipada de provas,
atuando como prova testemunhal conhecida no âmbito jurídico como oitiva. Este
depoimento seria realizado por uma pessoa designada pelo juiz, geralmente um
psicólogo ou assistente social e seria feito, não na sala de audiência, mas em
um ambiente diferente, em uma sala reservada para este único fim, onde seriam
usados também recursos tecnológicos como câmaras filmadoras e equipamentos de
gravação. Este contexto propiciaria um ambiente mais protegido, menos hostil,
que não obrigaria a criança a estar frente a frente com seu agressor, além de
restringir o depoimento a apenas um durante todo processo judicial.
Neste sentido o Depoimento sem Dano traz uma inovação que é o modo como se dá a
coleta da prova; não na forma exclusivamente inquisitória, mas na forma de
atendimento. Decorre daí a necessidade dele ser realizado por técnicos com
formações diferenciadas, como são os psicólogos e os assistentes sociais. Desta
maneira o atendimento buscaria garantir que esta coleta de provas não
desrespeitasse os direitos da criança, principalmente no que se refere ao seu
processo de desenvolvimento físico, psíquico e social. Justamente porque a
criança e o adolescente são sujeitos em desenvolvimento, não teria sentido o sistema
institucional responsável pela garantia desta proteção tornar-se violador
destas mesmas garantias. Por isso, o Depoimento sem Dano surgiu para minimizar
os efeitos possivelmente traumáticos da exposição e repetição demasiada da
criança e adolescente aos trâmites judiciais necessários à condenação do
agressor.
Dentro dos processos judiciais desta natureza é comum o depoimento da criança
constituir a única prova contra o agressor. Isto se dá porque, muitas vezes, o
abuso ocorre no interior das famílias, o que dificulta a produção de provas de
outra natureza, que não a do testemunho da vítima, ou das pessoas da família.
As duas formas habituais de coleta de provas nestes casos é a inquirição de
testemunha ou vítima e exame pericial. Este contexto confere, portanto, grande
importância ao cuidado que se precisa ter com relação ao depoimento da vítima.
Mas onde surgiu o Depoimento sem Dano?
Aqui no Brasil, este procedimento teve seu início, em 2003, no Rio Grande do
Sul, especificamente na 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre,
impulsionado pelo juiz José Antônio Daltoé Cezar que implementou este
procedimento. O Governo Federal, por meio da Secretaria Especial de Direitos
Humanos, a partir de 2006, passou a apoiar o projeto e a disseminar esta prática
por outros Estados brasileiros, dentre eles São Paulo, com o acompanhamento do
respectivo Tribunal de Justiça. Vários países no mundo inteiro aplicam o
Depoimento sem Dano das mais diversas formas. Para que se tenha uma idéia do
que ocorre em outros países vale a pena conhecer a publicação "Depoimento
sem medo? - culturas e práticas não revitimizantes", organizada pela ABMP
(Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores
Públicos da Infância e da Juventude) e o Instituto Childhood Brasil, com apoio
da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos (SEDH) e Conselho Nacional dos
Direitos das Crianças e Adolescentes (Conanda). Lá há o mapeamento da
experiência em 25 países, dentre eles, Argentina e Cuba.
Há um projeto de lei da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) que está em
trâmite pelo Senado Federal (PL n. 35/2007), que tem por objetivo incorporar o
Depoimento sem Dano ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
conferindo-lhe legitimidade como um mecanismo jurídico que garanta proteção à
criança e ao adolescente. Especialistas da área jurídica colocam que já existem
mecanismos jurídicos que fundamentam este procedimento. No Brasil a coleta
antecipada de provas está prevista em nosso Código Penal para todos os
cidadãos. No entanto, a legitimação pela lei específica, ou seja, pelo
ECAtraria maior segurança jurídica ao dispositivo, não podendo ser alegada
qualquer nulidade.
Profissionais envolvidos
Os profissionais escolhidos para realizar a entrevista com as crianças e os
adolescentes, em geral psicólogos e assistentes sociais, já teceram críticas ao
procedimento. Um dos pontos levantados é que a atuação deles é percebida por
eles como uma mera extensão da atuação do juiz. Não apresenta-se como um
instrumento de construção conjunta, mas como ferramenta exclusivamente
jurídica. O psicólogo e assistente social seriam meros mediadores das perguntas
que o juiz faria às crianças e adolescentes. Para o psicólogo, por exemplo, o
direito de não falar deve ser respeitado acima de qualquer outra coisa, na
medida em que o silêncio pode representar a impossibilidade da criança elaborar
aquela situação naquele momento. A obrigação de falar, esta sim causaria dano à
criança. E o que acontece dentro deste procedimento é a necessidade de que a
criança fale, ou seja, de que o seu discurso sirva de objeto ao sistema
judicial para incriminar o abusador. Questiona-se, então: o direito da criança
de se expressar corresponderia à obrigação de depor. Há também a queixa de que
os profissionais da área jurídica atribuem uma hierarquia ao conhecimento
jurídico, que estaria acima dos outros conhecimentos. Na verdade, no Depoimento
sem Dano não haveria espaço para que os profissionais da área psicológica e da
assistência social colocassem em prática seus próprios saberes e métodos.
Por outro lado, os profissionais da área jurídica defendem a necessidade de que
o depoimento seja colhido por profissionais que tenham competência e técnica de
entrevista e conhecimento sobre a problemática psicossocial do abuso sexual.
Enfatiza-se que a palavra da criança é, muitas vezes, a única forma de quebrar
o ciclo de impunidade em favor do agressor e neste sentido é importante haver
um salutar debate entre os profissionais envolvidos para que suas diferenças
possam ser compreendidas, contempladas no procedimento em favor da criança e do
adolescente.
Conclusão
O Depoimento sem Dano é apoiado por diversas entidades da sociedade civil que
pertencem ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Sistema este que propõe uma gestão das políticas públicas afinadas com os
princípios do ECA. No caso do Depoimento sem Dano, a idéia principal é a
elaboração de metodologias alternativas para inquirição de crianças e
adolescentes nos processos judiciais, levando-se em conta que os procedimentos
judiciais tradicionais não contemplavam esta perspectiva que se tem hoje da
criança e do adolescente à luz do ECA e da Convenção Internacional dos Direitos
da Criança.
Segundo dados da publicação Depoimento sem medo? - culturas e práticas não
revitimizantes (pag.34):
"Uma análise da temporalidade das práticas de tomada de depoimento
especial (Depoimento sem Dano - grifo nosso) indica que estas são muito
recentes na história da Humanidade. As mais antigas datam da década de 1980,
entre as quais estão aquelas registradas em Israel, Canadá e Estados Unidos,
países pioneiros nesta prática..."
Outro dado interessante nesta pesquisa é que, apesar, de não ter sido um dos
continentes pioneiros na prática do depoimento especial a América do Sul apresenta
o maior número de experiências desenvolvidas atualmente, sendo que a Argentina
constitui-se como uma forte referência para todos os países sul-americanos.
As experiências do depoimento especial evoluíram de forma lenta até 2000, porém
nos últimos anos tem havido uma rápida irradiação por vários países em todos os
continentes. Isto leva a crer que é um procedimento que tende a ser incorporado
às práticas jurídicas, pela forma mais humanizada com que se propõe a pensar a
participação da criança e do adolescente em processos desta natureza.
O Depoimento sem Dano vem sendo disseminado pelo Brasil e busca melhorar a
qualidade do atendimento que é feito à criança e ao adolescente em casos tão
extremados de violação como os são, os casos de abuso sexual e maus tratos. A
possibilidade de punir o agressor passa pela efetividade do depoimento,
fazendo-se necessários dispositivos que minimizem o sofrimento psíquico
evidentemente presente neste tipo de caso. O debate sobre o Depoimento sem Dano
está em aberto e merece ser aprofundado pelos vários setores da sociedade
envolvidos na proteção à infância e adolescência.

Por Ana Beatriz Iumatti (psicóloga e colaboradora do Portal Pró-Menino)

A cartilha foi produzida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e
deve ser utilizada por pessoas que vão preparar crianças e adolescentes para
escuta no sistema de justiça. O livreto, que tem 18 páginas, traz uma
explicação simples sobre a prática do depoimento sem danos e de como o público
infanto-juvenil pode participar da produção de provas durante os procedimentos
judiciais, sem que para isso precisem ter contato com os acusados.


Clique
AQUI para obter a íntegra do
documento

Fonte:Portal dos Direitos da Criança e do Adolescente

Para baixar o livro "Depoimento Sem medo?"
http://www.cedeps.com.br/wp-content/uploads/2009/08/Livro_Depoiment...


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Comentário de ljalmeida (Leandro J. Almeida). em 11 julho 2010 às 21:10
Obtive conhecimento sobre este sistema chamado DEPOIMENTO SEM DANO durante minhas pesquisas no ano passado, gostei muito do tema, achei o Rio Grande do Sul muito adiantado em políticas de proteção a crianças.
Ja no estado de São Paulo, quando disse este termo em determinado local, me olharam com indignação e desprezo!!!
Temos muito que evoluir neste sentido, evitando a re-vitimização e re-exposição.
Eu convivo com 4 crianças, onde 2 foram erotizadas e consequentemente abusadas, o agressor havia saído da cidade, a alguns dias retornou para esta, e o comportamento das crianças regrediu em sentido a henureze, temperamento, e a própria conduta erotizada.

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