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Relações invisíveis

Há que romper essa barreira do silêncio, pois há mais pedofilia e incesto dentro dos lares do que supõe a nossa vã ingenuidade
Frei Betto
Frei Betto
Relações invisíveis São Paulo - Casos de pedofilia vieram à tona nos últimos anos, muitos ocorridos no seio da Igreja Católica e cometidos contra crianças e seminaristas por padres e bispos. Na internet descobrem-se redes de pedófilos e os governos equipam-se para reprimi-las, bem como o uso de meios eletrônicos em abusos e violações sexuais. No Brasil, o governo federal empenha-se em combater a violência sexual contra crianças e adolescentes estimulando a criação e a atuação dos conselhos responsáveis por velar pela aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e disponibilizando o disque-denúncia pelo telefone 100, no Brasil. Bane-se do vocabulário a expressão “prostituição infantil”. Não é a criança que se prostitui. Ela é prostituída. É vítima de abusos cometidos por adultos. A pedofilia é um problema médico, e não apenas moral. O não reconhecimento dessa patologia prejudica a elaboração de políticas públicas, tanto para o tratamento especializado, quanto para a adoção de medidas preventivas. A patologia é compulsiva e crônica. Se o pedófilo não for tratado dificilmente deixará de fazer novas vítimas. Segundo pesquisas, o abuso sexual perpetrado por homens representa 89% e, por mulheres, 11% As meninas são as principais vítimas. Num grupo terapêutico de tratamento de pedófilos, 66% admitiram ter sofrido abuso sexual na infância. É preciso derrubar os mitos de que “o estranho é mais perigoso que o familiar”, e “as violações são praticadas apenas nas classes mais pobres”. Muitas vezes o inimigo mora em casa, e abusos ocorrem em todas as classes sociais. O que corresponde à verdade é que a polícia e a Justiça são lenientes quando inteiradas dos casos. Os processos tardam, o agressor não fica preso, a frouxidão de nossas leis acaba por oficializar a impunidade. O incesto Há uma outra forma de relação perversa que permanece silenciada e, inclusive, não tipificada pelo nosso Código Penal: o incesto. Na intimidade familiar, pais e mães ou padastros e madastras agridem sexualmente filhos e filhas sem que haja qualquer punição. Às vezes são crianças de 3 ou 4 anos que ainda não têm como se expressar e movem-se, traumatizadas, nessa zona nebulosa da incapacidade de discernir o gesto de carinho do ato de violação sexual. As feridas abertas em seu psiquismo são profundas e, por vezes, indeléveis. Na opinião de Maria Berenice Dias, desembargadora do Tribunal de Justiça do RS e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, “o abuso sexual contra crianças e adolescentes é um dos segredos de família mais bem guardados, sendo considerado o delito menos notificado. Ao contrário do que se imagina, é um dos crimes mais democráticos, pois atinge as famílias de todas as classes sociais e níveis culturais”. “Avalia-se que apenas 10 a 15% dos casos de incesto são revelados, sendo que 20% das mulheres e de 5 a 10% dos homens foram vítimas de abuso sexual na infância ou na adolescência. Na expressiva maioria, 90% dos delitos são cometidos por homens que as vítimas amavam, respeitavam e em quem confiavam: pais biológicos são responsáveis por 69,6% das agressões; 29,8% são os padrastos e 0,6% os pais adotivos”. No caso de crianças da idade da razão, a vítima teme denunciar o/a agressor(a), seja por questão de pudor, seja pelo sentimento de culpa de entregar-se ao jogo erótico sem forças para evitá-lo. As conseqüências são psicoses, depressão crônica, comportamento agressivo, delinqüência juvenil, mergulho no mundo das drogas e vulnerabilidade à exploração sexual. São freqüentes os casos de suicídios. Em suma, as vítimas ficam irremediavelmente comprometidas em seu desenvolvimento neurológico, com efeitos graves em sua saúde física, mental e espiritual. Se o incesto é invisível e ocorre na intimidade familiar, como se sabe que constitui um caso de saúde pública? Através dos consultórios de psicólogos, psicanalistas e psiquiatras, bem como dos confessionários, onde cedo ou tarde os casos aportam. Nenhuma criança, vítima de incesto, sobrevive a ele impunemente. Nem sempre é praticado pelo pai ou mãe biológico, e sim pelo companheiro(a) da mãe ou do pai. Às vezes, numa mesma família o incesto tende a ocorrer em série: todos os filhos, sobretudo filhas, são vítimas de abusos, e esses se repetem habitualmente. Devido à sua gravidade e ao crescimento vertiginoso de casos, com certeza também estimulados pela cultura erotizada que respiramos, este é um grave problema de saúde pública e exige medidas adequadas, urgentes e enérgicas. Sobretudo devido à escassez de serviços especializados para atender as vítimas e seus familiares. A maioria das vítimas são meninas na faixa etária entre 3 e 13 anos, com freqüência penalizadas pelo silêncio cúmplice de mães que temem a reação do parceiro, a desconstrução do núcleo familiar e a perda da dependência financeira em que vivem. Há, contudo, um momento em que a mãe, angustiada perante os distúrbios psíquicos manifestados pela criança, procura o consultório médico sem que o marido saiba. É aqui o ponto crucial. Há casos em que o profissional da saúde, em nome de uma suposta “ética médica”, deixa-se cooptar pela malha de cumplicidades e impede que, graças a seu silêncio, se interrompa o ciclo da violência. De fato, ele toma partido ao lado do agressor, quando a ética exige a defesa do agredido. O poder público A Justiça deveria dar ouvidos ao menor indício de suspeita. A criança molestada sexualmente precisa contar com tutela judicial urgente. O agressor deveria ser afastado do convívio familiar desde o momento em que o denunciante oferecesse às autoridades policiais e judiciais a notícia de suspeita de violência sexual. As leis brasileiras evitam a palavra ‘incesto’ e não o encaram de frente. O Código Penal refere-se apenas ao aumento da pena em 1/3 “se o crime é praticado contra a pessoa menor de quatorze anos” (art. 263). Como concerne à Vara da Infância e Juventude julgar o pedido de afastamento do agressor do convívio familiar, a competência repressora recai no ECA, que elenca os deveres e direitos do pais em relação aos filhos. O ECA “dispõe sobre crimes praticados contra a Criança e o Adolescente, por ação ou omissão, sem prejuízo do disposto na legislação penal” (art. 225, VII, I). Na Seção II, “Dos crimes em espécie”, o ECA não menciona o incesto nem o agressor ascendente (pai, mãe, tio, avô etc.). Este é ignorado pelo estatuto. E o/a menor vítima de incesto não é alvo de tratamento diferenciado. A brecha aberta pelo ECA é deslocar a criança molestada por “maus tratos” para família substituta, abrigo, orientação médica etc. Mas isso exige prova. Ora, como provar o incesto? A tutela da Justiça à criança molestada não deveria se dar tão logo haja suspeita ou denúncia? Qual agressor incestuoso agirá na presença de testemunhas? Como exigir da criança que, além da violência sofrida, deponha contra o agressor, a quem está ligada por laços afetivos e/ou de parentesco? Ao tratar “das medidas de proteção”, o ECA fala em violação, falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável (art 98, II), o que é insuficiente, pois não tipifica o abuso sexual e, em especial, o incesto. Falta no estatuto um capítulo específico sobre o tema, já que as medidas elencadas à proteção da criança são vagas e não tratam do mais importante: o afastamento e a punição do agressor. No caso específico do incesto há que introduzir em nossa legislação, em nome dos direitos da criança e do adolescente, o princípio da inversão do ônus da prova, ou seja, até prova em contrário o suspeito é culpado, respaldando-se a suspeita em prova pericial, como laudo de pediatra ou terapeuta. Há que romper essa barreira do silêncio, pois há mais perversão dentro dos lares brasileiros do que supõe a nossa vã ingenuidade.
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Frei Betto Escritor, autor de Alfabetto – autobiografia escolar (Ática), entre outros livros .

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